quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

MARROQUINOS NO ALGARVE


Quanto aos marroquinos que desembarcaram na costa algarvia tem-se ouvido um alarido imenso e as perguntas aparecem escarrapachadas nas primeiras dos jornais.Estaremos seguros?
É isto o princípio de uma invasão de “pés descalços...”?
Haverá meios suficientes para deter a invasão? (Lanchas, barcos da marinha, helicópteros?).
- Nós que vivíamos no litoral algarvio antes dos anos 70, antes da invasão (essa sim, real) do caos urbanístico imposto por um crescimento desregulado e anárquico do sector turístico, lembramo-nos do fluxo migratório dos Algarvios que procuravam uma vida melhor em…Marrocos.
Pois na verdade o inicio da indústria conserveira em Marrocos nos anos 60, valeu-se dos operários algarvios, que já tinham experiência no sector.Aí, já tive ocasião de falar com alguns desses homens, eram de Olhão de Loulé, de Vila Real de Santo António.
Alguns contaram-me das suas aventuras e desventuras com os “passadores”, que os transportavam em traineiras para Safi, Larache, Salé, Al-jadida, etc.
Nas suas histórias havia quase sempre referência à maneira acolhedora e gentil como foram recebidos pelos pescadores e pela população da costa Marroquina em geral.
Rapidamente aí se estabeleceram, alguns vieram depois buscar os filhos e as esposas e ainda vivem nesse país, outros voltaram com a família nos seus automóveis de matrícula marroquina, e com eles trouxeram o gosto pelo jogo da petanca que os franceses haviam nos anos 50 introduzido em Marrocos, e que hoje é tão popular no Algarve.
Agora passados 40 anos, o fluxo migratório inverteu-se e os que agora chegam, são tratados como se fossem o inicio de uma nova peste. Eles são de facto o reinício de algo, são o reinicio de um movimento que sempre existiu e sempre existirá no planeta, pois os que passam fome ou que não têm perspectivas de vida, procuram-na noutros lugares, (e os portugueses, sabem-no melhor disso do que ninguém, durante séculos espalharam-se pelo planeta demandando o que a sua terra madrasta não lhes oferecia).
Ouvimos todos os dias falar da livre circulação de capitais e de mercadorias, apresentam-nos essa liberdade como “sagrada”, a pedra de toque, fazendo a diferença entre o mundo livre e desenvolvido e o subdesenvolvimento das economias fechadas e anacrónicas. No entanto, de maneira contraditória impossibilitam o livre movimento de seres humanos em nome de princípios impenetráveis e incompreensíveis, construindo um apartheid de gente “limpa”e “bem alimentada”, que faz a sua vida por detrás da grande muralha, mas também por detrás dos corpos dos que morrem todos os dias no estreito de Gibraltar, por detrás dos que sobrevivem em campos de concentração em Melilla, em Ceuta, na ilha de Lampedusa em Itália, onde são tratados de forma desumana, só porque como os portugueses das aldeias do Minho e de Trás-os-Montes nos anos 60, procuraram uma vida melhor, procuraram um emprego que assegurasse de comer e de vestir aos seus familiares que ficaram em África.
Para a próxima semana irei mais uma vez passar o estreito de Gibraltar no conforto de um ferry com ar climatizado, e tripulantes gentis que me irão servir um café quente, ou uma cerveja. Nesse momento não conseguirei deixar de pensar nos corpos que nessa mesma manhã, foram recolhidos em sacos de plástico pela Guardia Civil nas praias de Algeciras, de La Linea , de Tarifa, ou de Azhara de los Atunes, não deixarei de pensar no Talhão do cemitério de Algeciras destinado aos corpos dos que morreram ao tentar passar o fatídico estreito.
Ali agora na paz do cemitério, são já só mais um número e uma data, deixaram de ser o Hamed o Omar a Fatma ,e se pensarmos bem até faz sentido, pois do lado de cá da muralha, para os governos para as polícias e para a maioria da opinião pública, eles nunca deixaram de ser um número uma data e mais uma noticia no jornal.
Fernando Gregório - Portimão

1 comentário:

Manuel Ramos disse...

Parabéns, Fernando!
100% apoiado!!