Os silêncios da história
A memória pública da ditadura e da repressão
por Irene Pimentel
Num artigo publicado no Le Monde diplomatique - edição portuguesa em Fevereiro de 2007, a historiadora Irene Pimentel, recentemente distinguida com o Prémio Pessoa 2007, abordou o problema da repressão e da resistência durante o Estado Novo, bem como a importância da memória do passado, nomeadamente o da história contemporânea de Portugal, para a construção de projectos de futuro.
A mitologia grega, a musa da História é Clio, filha de Mnemósine, deusa da Memória. Esta última lembra incessantemente ao ser humano as suas preocupações e os seus traumas, cabendo à musa fazer com que ele os esqueça, através de memória pacificada e justa. Ou seja, na mitologia grega, tratar a memória e curar as experiências traumáticas que esta transporta é precisamente um dos objectivos da História.
Para o desenvolvimento de uma memória patológica contribuem duas atitudes, segundo o filósofo Paul Ricoeur. Por um lado, a insuficiência de memória; isto é, a atitude de fuga e de negação dos momentos traumáticos do passado, através da qual se está incessantemente condenado a revivê-lo de forma doentia. Por outro lado, o excesso de memória, que substitui a recordação verdadeira, através da qual o presente se reconcilia com o passado, pela repetição compulsiva e a passagem ao acto. Para lutar contra estas duas atitudes negativas e permitir que o passado dê lugar ao presente e ao futuro, Ricoeur sugeriu que se fizesse um «trabalho da memória», através de um processo que comparou com o «trabalho de luto».
Esse trabalho de memória tem de dominar, ao mesmo tempo, a arte da memória e a arte do esquecimento, duas atitudes inseparáveis. História e memória só podem ser apreendidas com o esquecimento, mas este reveste duas formas: a negativa, do esquecimento irreversível, que corresponde à perda de documentos, ao silêncio, à omissão dos espaços de memória; e a positiva, que é a própria condição da memória. Trata-se, segundo Ricoeur, de um esquecimento não irreversível, mas de um esquecimento de «reserva», que, tal como os museus, locais de memória e os arquivos (condição, tanto da memória pacificada, como da análise e narrativa histórica), tem a capacidade de preservar e possibilita a luta, tanto contra a amnésia destrutiva, como contra a recordação permanente e obsessiva.
A mitologia grega, a musa da História é Clio, filha de Mnemósine, deusa da Memória. Esta última lembra incessantemente ao ser humano as suas preocupações e os seus traumas, cabendo à musa fazer com que ele os esqueça, através de memória pacificada e justa. Ou seja, na mitologia grega, tratar a memória e curar as experiências traumáticas que esta transporta é precisamente um dos objectivos da História.
Para o desenvolvimento de uma memória patológica contribuem duas atitudes, segundo o filósofo Paul Ricoeur. Por um lado, a insuficiência de memória; isto é, a atitude de fuga e de negação dos momentos traumáticos do passado, através da qual se está incessantemente condenado a revivê-lo de forma doentia. Por outro lado, o excesso de memória, que substitui a recordação verdadeira, através da qual o presente se reconcilia com o passado, pela repetição compulsiva e a passagem ao acto. Para lutar contra estas duas atitudes negativas e permitir que o passado dê lugar ao presente e ao futuro, Ricoeur sugeriu que se fizesse um «trabalho da memória», através de um processo que comparou com o «trabalho de luto».
Esse trabalho de memória tem de dominar, ao mesmo tempo, a arte da memória e a arte do esquecimento, duas atitudes inseparáveis. História e memória só podem ser apreendidas com o esquecimento, mas este reveste duas formas: a negativa, do esquecimento irreversível, que corresponde à perda de documentos, ao silêncio, à omissão dos espaços de memória; e a positiva, que é a própria condição da memória. Trata-se, segundo Ricoeur, de um esquecimento não irreversível, mas de um esquecimento de «reserva», que, tal como os museus, locais de memória e os arquivos (condição, tanto da memória pacificada, como da análise e narrativa histórica), tem a capacidade de preservar e possibilita a luta, tanto contra a amnésia destrutiva, como contra a recordação permanente e obsessiva.
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História e memória não são, porém, a mesma coisa. A memória apoia-se numa experiência vivida de um passado que deixou marcas nos actores, enquanto a história é conhecimento, através da distância que permite ao investigador libertar-se do passado e ter em conta as mudanças ocorridas nos homens e nas sociedades. É uma tentativa de reconstrução, de compreensão e de narração desse passado, perspectivado através do presente, do qual o investigador parte sempre. Sendo um «reconhecimento» do traço vivido de um «real já passado», a memória entrecruza-se com o conhecimento e a escrita da história, que se propõe fazer a representação do passado.
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No entanto, na medida em que a história é mais distante, mais objectivante e impessoal na sua relação com o passado, ela pode ter um papel de equidade e de verdade, para temperar a exclusividade e a fidelidade das memórias particulares. Pode contribuir para transformar a memória infeliz em memória feliz, pacificada, em justa memória. O trabalho da história é, assim, um duplo trabalho de recordação e de luto, que dá uma «sepultura” aos mortos, mas também cumpre a «dívida» que temos para com estes e assegura a ligação entre o passado e o futuro, bem como a relação entre as gerações. Contribuir para que haja uma «boa» memória é, porém, não só tarefa do trabalho histórico, mas também dos arquivos, dos museus e dos locais de memória.
Mais de trinta anos após a queda do regime ditatorial, coloca-se a questão de saber se já está feito o luto em Portugal relativamente à memória da repressão e se existe uma justa memória ou, pelo contrário, uma memória patológica. Não parece existir em Portugal um excesso de memória, no sentido em que o passado se substitua constantemente ao presente, não deixando surgir o futuro. Já o esquecimento ainda não é de «reserva», no sentido de preservar a memória, mas corre o risco de se tornar irreversível, nomeadamente por desaparecerem os «espaços de memória».
A memória da ditadura e do seu sistema de justiça política sofreu mudanças durante os mais de trinta anos de democracia. Numa primeira fase, logo após a queda do regime ditatorial, caracterizada pelo luto inacabado e pelo estilhaçar violento do espelho da ditadura, procurou—se destruir os alicerces do passado muito recente. A transição para a democracia ocorreu em Portugal por ruptura político-social e provocou, logo nos primeiros dias, uma forte mobilização antiditatorial, determinante para a imediata dissolução das instituições conotadas com o regime deposto, nomeadamente da PIDE/DGS, que se fez acompanhar da reivindicação da criminalização dessa polícia política. Depois, durante cerca de um ano e meio, houve um período de crise revolucionária e, posteriormente, devido às clivagens políticas de 1975, resultantes do confronto entre a matriz revolucionária da transição para a democracia e a aliança anticomunista, no «Verão Quente» desse ano, o «ajuste de contas» com o passado foi abandonado. Com o 25 de Novembro e o final do PREC, nova legislação alterou a lei 8/75, incriminatória dos elementos da PIDE/DGS e, em 5 de Dezembro de 1975, o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS passou a depender do Conselho da Revolução (C.R.).
Mais de trinta anos após a queda do regime ditatorial, coloca-se a questão de saber se já está feito o luto em Portugal relativamente à memória da repressão e se existe uma justa memória ou, pelo contrário, uma memória patológica. Não parece existir em Portugal um excesso de memória, no sentido em que o passado se substitua constantemente ao presente, não deixando surgir o futuro. Já o esquecimento ainda não é de «reserva», no sentido de preservar a memória, mas corre o risco de se tornar irreversível, nomeadamente por desaparecerem os «espaços de memória».
A memória da ditadura e do seu sistema de justiça política sofreu mudanças durante os mais de trinta anos de democracia. Numa primeira fase, logo após a queda do regime ditatorial, caracterizada pelo luto inacabado e pelo estilhaçar violento do espelho da ditadura, procurou—se destruir os alicerces do passado muito recente. A transição para a democracia ocorreu em Portugal por ruptura político-social e provocou, logo nos primeiros dias, uma forte mobilização antiditatorial, determinante para a imediata dissolução das instituições conotadas com o regime deposto, nomeadamente da PIDE/DGS, que se fez acompanhar da reivindicação da criminalização dessa polícia política. Depois, durante cerca de um ano e meio, houve um período de crise revolucionária e, posteriormente, devido às clivagens políticas de 1975, resultantes do confronto entre a matriz revolucionária da transição para a democracia e a aliança anticomunista, no «Verão Quente» desse ano, o «ajuste de contas» com o passado foi abandonado. Com o 25 de Novembro e o final do PREC, nova legislação alterou a lei 8/75, incriminatória dos elementos da PIDE/DGS e, em 5 de Dezembro de 1975, o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS passou a depender do Conselho da Revolução (C.R.).
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Pelo decreto-lei 349/76 (de 13 de Maio), da autoria do C.R., passou a ser considerado atenuante, por exemplo, o facto de um elemento da ex-PIDE/DGS ter prestado serviço no «ultramar» às ordens das Forças Armadas. Por isso, a grande maioria dos elementos dessa polícia, que já aguardavam em liberdade provisória o julgamento, foram condenados a penas de prisão que não excederam a detenção preventiva já sofrida e só 5 por cento deles foram condenados a penas superiores a dois anos.
Entre 6215 processos de elementos da PIDE/DGS instruídos, 1089 foram a tribunal e os restantes 69 por cento acabaram arquivados. A grande maioria dos elementos julgados teve penas que não excederam o meio ano de prisão: assim ocorreu a 70,7 por cento do pessoal dirigente, a 71,5 por cento do pessoal técnico superior (até chefe de brigada) e a 78,8 por cento do pessoal técnico inferior (agentes e motoristas). Com penas superiores a dois anos foram condenados 5,5 por cento daqueles. Quanto aos informadores, apenas 5,2 por cento foram sentenciados a penas já cumpridas de 2 a 4 meses ou a perda de direitos políticos. Em 2 de Abril de 1976 foi aprovada a nova Constituição da República Portuguesa, que integrou as várias leis de «incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS».
Na opinião pública caiu entretanto um certo (embora nunca total) silêncio sobre o que fora a ditadura e a repressão, em proveito das lutas partidárias, mau grado o trabalho de alguns raros movimentos de opinião (Associação dos Ex-Presos Políticos Antifascistas, União dos Resistentes Antifascistas Portugueses, Comissão do Livro Negro do Regime Fascista e Tribunal Cívico Humberto Delgado). No decurso dos anos 80, assistiu-se a uma fase da memória da ditadura marcada por um certo recalcamento desta, devido às clivagens partidárias então produzidas na sociedade portuguesa. No ano em que se comemoravam os 10 anos do 25 de Abril, e quando se pensava mais no presente do que no passado, os arquivos da PIDE/DGS passaram para a tutela parlamentar (o fim do C.R. dera-se em 1982).
Em 1990, os arquivos Salazar e da PIDE/DGS foram transferidos para a Torre do Tombo e em 1994-95 (um vinténio após o 25 de Abril) começaram a estar acessíveis, com algumas restrições. Nos anos 90 houve ocasionais irrupções de memória, sempre relacionadas com o aparelho repressivo da ditadura. Depois, na viragem do século, fizeram-se algumas sondagens sobre o legado de Salazar e da ditadura em Portugal, considerando a maioria dos estudiosos que a não revelação da identidade e condenação simbólica dos informadores, a cultura de passividade e deferência, a fraqueza da sociedade civil, os valores da ordem e a persistência do clientelismo e da cunha eram legados que marcavam de forma negativa a qualidade da democracia portuguesa.
Numa sondagem realizada por ocasião da comemoração dos 30 anos do 25 de Abril, só 34 por cento dos inquiridos consideraram que foi correcta a solução de não se ter feito justiça relativamente ao aparelho repressor e de justiça política da ditadura, contra 77 por cento que afirmaram que os seus elementos deveriam ter sido julgados. Estes resultados permitem dizer que em Portugal não há uma total ausência de memória sobre o passado recente ditatorial, mesmo se a maioria dos inquiridos já não conseguiu nomear os dirigentes da ditadura.
Nos últimos tempos, tem havido um levantamento progressivo dos recalcamentos da memória, muito devido ao trabalho histórico. Mas, ao mesmo tempo que o «passado está a passar» (em parte devido à narrativa histórica) e que se dispõe de um dos melhores arquivos de um regime ditatorial, Portugal é talvez dos poucos países europeus onde há uma quase total falta de memória física dos tempos da repressão. Por isso, continuam a surgir acessos esporádicos de memória, reveladores de que os traumas ainda não sararam e de que, por vezes, o passado tem relutância em não «passar». Recentemente, um desses acessos de memória ocorreu quando se soube que a antiga sede da PIDE/DGS, em Lisboa, iria transformar-se num condomínio de luxo.
Entre 6215 processos de elementos da PIDE/DGS instruídos, 1089 foram a tribunal e os restantes 69 por cento acabaram arquivados. A grande maioria dos elementos julgados teve penas que não excederam o meio ano de prisão: assim ocorreu a 70,7 por cento do pessoal dirigente, a 71,5 por cento do pessoal técnico superior (até chefe de brigada) e a 78,8 por cento do pessoal técnico inferior (agentes e motoristas). Com penas superiores a dois anos foram condenados 5,5 por cento daqueles. Quanto aos informadores, apenas 5,2 por cento foram sentenciados a penas já cumpridas de 2 a 4 meses ou a perda de direitos políticos. Em 2 de Abril de 1976 foi aprovada a nova Constituição da República Portuguesa, que integrou as várias leis de «incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS».
Na opinião pública caiu entretanto um certo (embora nunca total) silêncio sobre o que fora a ditadura e a repressão, em proveito das lutas partidárias, mau grado o trabalho de alguns raros movimentos de opinião (Associação dos Ex-Presos Políticos Antifascistas, União dos Resistentes Antifascistas Portugueses, Comissão do Livro Negro do Regime Fascista e Tribunal Cívico Humberto Delgado). No decurso dos anos 80, assistiu-se a uma fase da memória da ditadura marcada por um certo recalcamento desta, devido às clivagens partidárias então produzidas na sociedade portuguesa. No ano em que se comemoravam os 10 anos do 25 de Abril, e quando se pensava mais no presente do que no passado, os arquivos da PIDE/DGS passaram para a tutela parlamentar (o fim do C.R. dera-se em 1982).
Em 1990, os arquivos Salazar e da PIDE/DGS foram transferidos para a Torre do Tombo e em 1994-95 (um vinténio após o 25 de Abril) começaram a estar acessíveis, com algumas restrições. Nos anos 90 houve ocasionais irrupções de memória, sempre relacionadas com o aparelho repressivo da ditadura. Depois, na viragem do século, fizeram-se algumas sondagens sobre o legado de Salazar e da ditadura em Portugal, considerando a maioria dos estudiosos que a não revelação da identidade e condenação simbólica dos informadores, a cultura de passividade e deferência, a fraqueza da sociedade civil, os valores da ordem e a persistência do clientelismo e da cunha eram legados que marcavam de forma negativa a qualidade da democracia portuguesa.
Numa sondagem realizada por ocasião da comemoração dos 30 anos do 25 de Abril, só 34 por cento dos inquiridos consideraram que foi correcta a solução de não se ter feito justiça relativamente ao aparelho repressor e de justiça política da ditadura, contra 77 por cento que afirmaram que os seus elementos deveriam ter sido julgados. Estes resultados permitem dizer que em Portugal não há uma total ausência de memória sobre o passado recente ditatorial, mesmo se a maioria dos inquiridos já não conseguiu nomear os dirigentes da ditadura.
Nos últimos tempos, tem havido um levantamento progressivo dos recalcamentos da memória, muito devido ao trabalho histórico. Mas, ao mesmo tempo que o «passado está a passar» (em parte devido à narrativa histórica) e que se dispõe de um dos melhores arquivos de um regime ditatorial, Portugal é talvez dos poucos países europeus onde há uma quase total falta de memória física dos tempos da repressão. Por isso, continuam a surgir acessos esporádicos de memória, reveladores de que os traumas ainda não sararam e de que, por vezes, o passado tem relutância em não «passar». Recentemente, um desses acessos de memória ocorreu quando se soube que a antiga sede da PIDE/DGS, em Lisboa, iria transformar-se num condomínio de luxo.
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No dia 5 de Outubro de 2005, um conjunto de cidadãos reuniu-se junto à antiga sede da PIDE/DGS, para reafirmar o protesto contra a conversão daquele edifício num condomínio fechado e contra o que consideraram constituir um «apagamento da memória» do regime ditatorial português, simbolizado no seu instrumento de repressão política por excelência. Esses cidadãos decidiram, depois, continuar essa acção através de uma iniciativa cívica, plural e aberta, «de exigência da salvaguarda, investigação e divulgação da memória do fascismo e da resistência, como responsabilidade do Estado, do conjunto dos poderes públicos e da sociedade» (Manifesto do movimento).
Assim foi criado o movimento Não Apaguem a Memória! [1], que, após um ano profícuo de trabalho, baseado neste manifesto inicial, elaborou uma «Carta» de princípios. Partindo duma reprovação da conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado e do propósito de criação dum espaço memorial naquela área, para a memória das futuras gerações, este movimento cívico alargou os seus objectivos. Baseado no mote de que «um povo sem passado está condenado a repeti-lo» e de que «sem memória não há futuro», a «Carta» do movimento lança um alerta mais geral aos «poderes públicos para a responsabilidade e necessidade de se constituir um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e a resistência à ditadura». Ao mesmo tempo apela a todos os cidadãos e entidades que multipliquem, partilhem e tomem nas suas mãos, pelas formas e iniciativas que entenderem, a preservação duradoura da memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal.
Considerando-se uma organização informal de âmbito nacional, democrático e aberto, o movimento sugere o aproveitamento museológico ou monumental dos espaços emblemáticos dessa realidade como são o Aljube, o Forte de Peniche, o Forte de Caxias, o Forte de Angra do Heroísmo, o Campo de Concentração do Tarrafal, as salas dos tribunais plenários da Boa-Hora em Lisboa e de S. João Novo no Porto, o Tribunal Militar, os presídios militares, a Companhia Disciplinar de Penamacor, a sede dos Serviços de Censura, a sede da PIDE/DGS e as delegações-prisão dessa polícia política.
Neste momento, após ter realizado duas romagens às antigas cadeias do Forte de Peniche e do Aljube (em Lisboa), o movimento Não Apaguem a Memória! já conseguiu que fosse descerrada uma placa evocativa dos «tribunais plenários» no Tribunal da Boa-Hora, em 6 de Dezembro de 2006. Procedeu também a diversas rondas com entidades públicas, nomeadamente com as autarquias locais de Lisboa, Porto, Coimbra, Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Cascais, e com todos os grupos parlamentares, após ter entregue ao presidente da Assembleia da República uma petição para a salvaguarda histórica do papel da resistência democrática durante o regime ditatorial do Estado Novo, assinada por mais de 6 mil cidadãos. Nessa ronda parlamentar foram abordadas, em particular, questões como a reparação às vítimas do fascismo, a preservação dos edifícios símbolos da repressão fascista e da liberdade conquistada e a criação de um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade e de um Memorial aos Presos Políticos, no edifício da antiga sede da polícia política. Foram ainda sugeridas formas de incentivo a um conhecimento mais amplo da história contemporânea e identificados roteiros da memória e da resistência nas cidades.
Assim foi criado o movimento Não Apaguem a Memória! [1], que, após um ano profícuo de trabalho, baseado neste manifesto inicial, elaborou uma «Carta» de princípios. Partindo duma reprovação da conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado e do propósito de criação dum espaço memorial naquela área, para a memória das futuras gerações, este movimento cívico alargou os seus objectivos. Baseado no mote de que «um povo sem passado está condenado a repeti-lo» e de que «sem memória não há futuro», a «Carta» do movimento lança um alerta mais geral aos «poderes públicos para a responsabilidade e necessidade de se constituir um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e a resistência à ditadura». Ao mesmo tempo apela a todos os cidadãos e entidades que multipliquem, partilhem e tomem nas suas mãos, pelas formas e iniciativas que entenderem, a preservação duradoura da memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal.
Considerando-se uma organização informal de âmbito nacional, democrático e aberto, o movimento sugere o aproveitamento museológico ou monumental dos espaços emblemáticos dessa realidade como são o Aljube, o Forte de Peniche, o Forte de Caxias, o Forte de Angra do Heroísmo, o Campo de Concentração do Tarrafal, as salas dos tribunais plenários da Boa-Hora em Lisboa e de S. João Novo no Porto, o Tribunal Militar, os presídios militares, a Companhia Disciplinar de Penamacor, a sede dos Serviços de Censura, a sede da PIDE/DGS e as delegações-prisão dessa polícia política.
Neste momento, após ter realizado duas romagens às antigas cadeias do Forte de Peniche e do Aljube (em Lisboa), o movimento Não Apaguem a Memória! já conseguiu que fosse descerrada uma placa evocativa dos «tribunais plenários» no Tribunal da Boa-Hora, em 6 de Dezembro de 2006. Procedeu também a diversas rondas com entidades públicas, nomeadamente com as autarquias locais de Lisboa, Porto, Coimbra, Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Cascais, e com todos os grupos parlamentares, após ter entregue ao presidente da Assembleia da República uma petição para a salvaguarda histórica do papel da resistência democrática durante o regime ditatorial do Estado Novo, assinada por mais de 6 mil cidadãos. Nessa ronda parlamentar foram abordadas, em particular, questões como a reparação às vítimas do fascismo, a preservação dos edifícios símbolos da repressão fascista e da liberdade conquistada e a criação de um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade e de um Memorial aos Presos Políticos, no edifício da antiga sede da polícia política. Foram ainda sugeridas formas de incentivo a um conhecimento mais amplo da história contemporânea e identificados roteiros da memória e da resistência nas cidades.
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Este movimento tem delegações no Porto, em Coimbra e noutros locais do país e dois dos seus grupos de trabalho ocupam-se do espaço museológico e memorial na Rua António Maria Cardoso e do projecto «Rotas da Memória e da Resistência». Daqui resultarão roteiros específicos, com itinerários pedonais sob a forma de visitas guiadas através de locais assinalados que marcaram a repressão ditatorial e a resistência dos cidadãos e das organizações que se lhe opuseram.
Por IRENE PIMENTEL *
* Historiadora. Autora, designadamente, de Vítimas de Salazar: Estado Novo e Vigilância Política, Esfera dos Livros, Lisboa, 2007. (Em Dezembro de 2007 foi distinguida pelo Prémio Pessoa).
sexta-feira 14 de Dezembro de 2007
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