sábado, 5 de janeiro de 2008

no "Le Monde Diplomatique" (edi. Portuguesa)

PIDE/DGS
Os silêncios da história
A memória pública da ditadura e da repressão





Num artigo publicado no Le Monde diplomatique - edição portuguesa em Fevereiro de 2007, a historiadora Irene Pimentel, recentemente distinguida com o Prémio Pessoa 2007, abordou o problema da repressão e da resistência durante o Estado Novo, bem como a importância da memória do passado, nomeadamente o da história contemporânea de Portugal, para a construção de projectos de futuro.
A mitologia grega, a musa da História é Clio, filha de Mnemósine, deusa da Memória. Esta última lembra incessantemente ao ser humano as suas preocupações e os seus traumas, cabendo à musa fazer com que ele os esqueça, através de memória pacificada e justa. Ou seja, na mitologia grega, tratar a memória e curar as experiências traumáticas que esta transporta é precisamente um dos objectivos da História.
Para o desenvolvimento de uma memória patológica contribuem duas atitudes, segundo o filósofo Paul Ricoeur. Por um lado, a insuficiência de memória; isto é, a atitude de fuga e de negação dos momentos traumáticos do passado, através da qual se está incessantemente condenado a revivê-lo de forma doentia. Por outro lado, o excesso de memória, que substitui a recordação verdadeira, através da qual o presente se reconcilia com o passado, pela repetição compulsiva e a passagem ao acto. Para lutar contra estas duas atitudes negativas e permitir que o passado dê lugar ao presente e ao futuro, Ricoeur sugeriu que se fizesse um «trabalho da memória», através de um processo que comparou com o «trabalho de luto».
Esse trabalho de memória tem de dominar, ao mesmo tempo, a arte da memória e a arte do esquecimento, duas atitudes inseparáveis. História e memória só podem ser apreendidas com o esquecimento, mas este reveste duas formas: a negativa, do esquecimento irreversível, que corresponde à perda de documentos, ao silêncio, à omissão dos espaços de memória; e a positiva, que é a própria condição da memória. Trata-se, segundo Ricoeur, de um esquecimento não irreversível, mas de um esquecimento de «reserva», que, tal como os museus, locais de memória e os arquivos (condição, tanto da memória pacificada, como da análise e narrativa histórica), tem a capacidade de preservar e possibilita a luta, tanto contra a amnésia destrutiva, como contra a recordação permanente e obsessiva.
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História e memória não são, porém, a mesma coisa. A memória apoia-se numa experiência vivida de um passado que deixou marcas nos actores, enquanto a história é conhecimento, através da distância que permite ao investigador libertar-se do passado e ter em conta as mudanças ocorridas nos homens e nas sociedades. É uma tentativa de reconstrução, de compreensão e de narração desse passado, perspectivado através do presente, do qual o investigador parte sempre. Sendo um «reconhecimento» do traço vivido de um «real já passado», a memória entrecruza-se com o conhecimento e a escrita da história, que se propõe fazer a representação do passado.


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No entanto, na medida em que a história é mais distante, mais objectivante e impessoal na sua relação com o passado, ela pode ter um papel de equidade e de verdade, para temperar a exclusividade e a fidelidade das memórias particulares. Pode contribuir para transformar a memória infeliz em memória feliz, pacificada, em justa memória. O trabalho da história é, assim, um duplo trabalho de recordação e de luto, que dá uma «sepultura” aos mortos, mas também cumpre a «dívida» que temos para com estes e assegura a ligação entre o passado e o futuro, bem como a relação entre as gerações. Contribuir para que haja uma «boa» memória é, porém, não só tarefa do trabalho histórico, mas também dos arquivos, dos museus e dos locais de memória.
Mais de trinta anos após a queda do regime ditatorial, coloca-se a questão de saber se já está feito o luto em Portugal relativamente à memória da repressão e se existe uma justa memória ou, pelo contrário, uma memória patológica. Não parece existir em Portugal um excesso de memória, no sentido em que o passado se substitua constantemente ao presente, não deixando surgir o futuro. Já o esquecimento ainda não é de «reserva», no sentido de preservar a memória, mas corre o risco de se tornar irreversível, nomeadamente por desaparecerem os «espaços de memória».
A memória da ditadura e do seu sistema de justiça política sofreu mudanças durante os mais de trinta anos de democracia. Numa primeira fase, logo após a queda do regime ditatorial, caracterizada pelo luto inacabado e pelo estilhaçar violento do espelho da ditadura, procurou—se destruir os alicerces do passado muito recente. A transição para a democracia ocorreu em Portugal por ruptura político-social e provocou, logo nos primeiros dias, uma forte mobilização antiditatorial, determinante para a imediata dissolução das instituições conotadas com o regime deposto, nomeadamente da PIDE/DGS, que se fez acompanhar da reivindicação da criminalização dessa polícia política. Depois, durante cerca de um ano e meio, houve um período de crise revolucionária e, posteriormente, devido às clivagens políticas de 1975, resultantes do confronto entre a matriz revolucionária da transição para a democracia e a aliança anticomunista, no «Verão Quente» desse ano, o «ajuste de contas» com o passado foi abandonado. Com o 25 de Novembro e o final do PREC, nova legislação alterou a lei 8/75, incriminatória dos elementos da PIDE/DGS e, em 5 de Dezembro de 1975, o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS passou a depender do Conselho da Revolução (C.R.).



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Pelo decreto-lei 349/76 (de 13 de Maio), da autoria do C.R., passou a ser considerado atenuante, por exemplo, o facto de um elemento da ex-PIDE/DGS ter prestado serviço no «ultramar» às ordens das Forças Armadas. Por isso, a grande maioria dos elementos dessa polícia, que já aguardavam em liberdade provisória o julgamento, foram condenados a penas de prisão que não excederam a detenção preventiva já sofrida e só 5 por cento deles foram condenados a penas superiores a dois anos.
Entre 6215 processos de elementos da PIDE/DGS instruídos, 1089 foram a tribunal e os restantes 69 por cento acabaram arquivados. A grande maioria dos elementos julgados teve penas que não excederam o meio ano de prisão: assim ocorreu a 70,7 por cento do pessoal dirigente, a 71,5 por cento do pessoal técnico superior (até chefe de brigada) e a 78,8 por cento do pessoal técnico inferior (agentes e motoristas). Com penas superiores a dois anos foram condenados 5,5 por cento daqueles. Quanto aos informadores, apenas 5,2 por cento foram sentenciados a penas já cumpridas de 2 a 4 meses ou a perda de direitos políticos. Em 2 de Abril de 1976 foi aprovada a nova Constituição da República Portuguesa, que integrou as várias leis de «incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS».
Na opinião pública caiu entretanto um certo (embora nunca total) silêncio sobre o que fora a ditadura e a repressão, em proveito das lutas partidárias, mau grado o trabalho de alguns raros movimentos de opinião (Associação dos Ex-Presos Políticos Antifascistas, União dos Resistentes Antifascistas Portugueses, Comissão do Livro Negro do Regime Fascista e Tribunal Cívico Humberto Delgado). No decurso dos anos 80, assistiu-se a uma fase da memória da ditadura marcada por um certo recalcamento desta, devido às clivagens partidárias então produzidas na sociedade portuguesa. No ano em que se comemoravam os 10 anos do 25 de Abril, e quando se pensava mais no presente do que no passado, os arquivos da PIDE/DGS passaram para a tutela parlamentar (o fim do C.R. dera-se em 1982).
Em 1990, os arquivos Salazar e da PIDE/DGS foram transferidos para a Torre do Tombo e em 1994-95 (um vinténio após o 25 de Abril) começaram a estar acessíveis, com algumas restrições. Nos anos 90 houve ocasionais irrupções de memória, sempre relacionadas com o aparelho repressivo da ditadura. Depois, na viragem do século, fizeram-se algumas sondagens sobre o legado de Salazar e da ditadura em Portugal, considerando a maioria dos estudiosos que a não revelação da identidade e condenação simbólica dos informadores, a cultura de passividade e deferência, a fraqueza da sociedade civil, os valores da ordem e a persistência do clientelismo e da cunha eram legados que marcavam de forma negativa a qualidade da democracia portuguesa.
Numa sondagem realizada por ocasião da comemoração dos 30 anos do 25 de Abril, só 34 por cento dos inquiridos consideraram que foi correcta a solução de não se ter feito justiça relativamente ao aparelho repressor e de justiça política da ditadura, contra 77 por cento que afirmaram que os seus elementos deveriam ter sido julgados. Estes resultados permitem dizer que em Portugal não há uma total ausência de memória sobre o passado recente ditatorial, mesmo se a maioria dos inquiridos já não conseguiu nomear os dirigentes da ditadura.
Nos últimos tempos, tem havido um levantamento progressivo dos recalcamentos da memória, muito devido ao trabalho histórico. Mas, ao mesmo tempo que o «passado está a passar» (em parte devido à narrativa histórica) e que se dispõe de um dos melhores arquivos de um regime ditatorial, Portugal é talvez dos poucos países europeus onde há uma quase total falta de memória física dos tempos da repressão. Por isso, continuam a surgir acessos esporádicos de memória, reveladores de que os traumas ainda não sararam e de que, por vezes, o passado tem relutância em não «passar». Recentemente, um desses acessos de memória ocorreu quando se soube que a antiga sede da PIDE/DGS, em Lisboa, iria transformar-se num condomínio de luxo.


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No dia 5 de Outubro de 2005, um conjunto de cidadãos reuniu-se junto à antiga sede da PIDE/DGS, para reafirmar o protesto contra a conversão daquele edifício num condomínio fechado e contra o que consideraram constituir um «apagamento da memória» do regime ditatorial português, simbolizado no seu instrumento de repressão política por excelência. Esses cidadãos decidiram, depois, continuar essa acção através de uma iniciativa cívica, plural e aberta, «de exigência da salvaguarda, investigação e divulgação da memória do fascismo e da resistência, como responsabilidade do Estado, do conjunto dos poderes públicos e da sociedade» (Manifesto do movimento).
Assim foi criado o movimento Não Apaguem a Memória! [
1], que, após um ano profícuo de trabalho, baseado neste manifesto inicial, elaborou uma «Carta» de princípios. Partindo duma reprovação da conversão do edifício da sede da PIDE/DGS em condomínio fechado e do propósito de criação dum espaço memorial naquela área, para a memória das futuras gerações, este movimento cívico alargou os seus objectivos. Baseado no mote de que «um povo sem passado está condenado a repeti-lo» e de que «sem memória não há futuro», a «Carta» do movimento lança um alerta mais geral aos «poderes públicos para a responsabilidade e necessidade de se constituir um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e a resistência à ditadura». Ao mesmo tempo apela a todos os cidadãos e entidades que multipliquem, partilhem e tomem nas suas mãos, pelas formas e iniciativas que entenderem, a preservação duradoura da memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade em Portugal.
Considerando-se uma organização informal de âmbito nacional, democrático e aberto, o movimento sugere o aproveitamento museológico ou monumental dos espaços emblemáticos dessa realidade como são o Aljube, o Forte de Peniche, o Forte de Caxias, o Forte de Angra do Heroísmo, o Campo de Concentração do Tarrafal, as salas dos tribunais plenários da Boa-Hora em Lisboa e de S. João Novo no Porto, o Tribunal Militar, os presídios militares, a Companhia Disciplinar de Penamacor, a sede dos Serviços de Censura, a sede da PIDE/DGS e as delegações-prisão dessa polícia política.
Neste momento, após ter realizado duas romagens às antigas cadeias do Forte de Peniche e do Aljube (em Lisboa), o movimento Não Apaguem a Memória! já conseguiu que fosse descerrada uma placa evocativa dos «tribunais plenários» no Tribunal da Boa-Hora, em 6 de Dezembro de 2006. Procedeu também a diversas rondas com entidades públicas, nomeadamente com as autarquias locais de Lisboa, Porto, Coimbra, Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Cascais, e com todos os grupos parlamentares, após ter entregue ao presidente da Assembleia da República uma petição para a salvaguarda histórica do papel da resistência democrática durante o regime ditatorial do Estado Novo, assinada por mais de 6 mil cidadãos. Nessa ronda parlamentar foram abordadas, em particular, questões como a reparação às vítimas do fascismo, a preservação dos edifícios símbolos da repressão fascista e da liberdade conquistada e a criação de um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade e de um Memorial aos Presos Políticos, no edifício da antiga sede da polícia política. Foram ainda sugeridas formas de incentivo a um conhecimento mais amplo da história contemporânea e identificados roteiros da memória e da resistência nas cidades.



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Este movimento tem delegações no Porto, em Coimbra e noutros locais do país e dois dos seus grupos de trabalho ocupam-se do espaço museológico e memorial na Rua António Maria Cardoso e do projecto «Rotas da Memória e da Resistência». Daqui resultarão roteiros específicos, com itinerários pedonais sob a forma de visitas guiadas através de locais assinalados que marcaram a repressão ditatorial e a resistência dos cidadãos e das organizações que se lhe opuseram.


Por IRENE PIMENTEL *


* Historiadora. Autora, designadamente, de Vítimas de Salazar: Estado Novo e Vigilância Política, Esfera dos Livros, Lisboa, 2007. (Em Dezembro de 2007 foi distinguida pelo Prémio Pessoa).


sexta-feira 14 de Dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

MARROQUINOS NO ALGARVE


Quanto aos marroquinos que desembarcaram na costa algarvia tem-se ouvido um alarido imenso e as perguntas aparecem escarrapachadas nas primeiras dos jornais.Estaremos seguros?
É isto o princípio de uma invasão de “pés descalços...”?
Haverá meios suficientes para deter a invasão? (Lanchas, barcos da marinha, helicópteros?).
- Nós que vivíamos no litoral algarvio antes dos anos 70, antes da invasão (essa sim, real) do caos urbanístico imposto por um crescimento desregulado e anárquico do sector turístico, lembramo-nos do fluxo migratório dos Algarvios que procuravam uma vida melhor em…Marrocos.
Pois na verdade o inicio da indústria conserveira em Marrocos nos anos 60, valeu-se dos operários algarvios, que já tinham experiência no sector.Aí, já tive ocasião de falar com alguns desses homens, eram de Olhão de Loulé, de Vila Real de Santo António.
Alguns contaram-me das suas aventuras e desventuras com os “passadores”, que os transportavam em traineiras para Safi, Larache, Salé, Al-jadida, etc.
Nas suas histórias havia quase sempre referência à maneira acolhedora e gentil como foram recebidos pelos pescadores e pela população da costa Marroquina em geral.
Rapidamente aí se estabeleceram, alguns vieram depois buscar os filhos e as esposas e ainda vivem nesse país, outros voltaram com a família nos seus automóveis de matrícula marroquina, e com eles trouxeram o gosto pelo jogo da petanca que os franceses haviam nos anos 50 introduzido em Marrocos, e que hoje é tão popular no Algarve.
Agora passados 40 anos, o fluxo migratório inverteu-se e os que agora chegam, são tratados como se fossem o inicio de uma nova peste. Eles são de facto o reinício de algo, são o reinicio de um movimento que sempre existiu e sempre existirá no planeta, pois os que passam fome ou que não têm perspectivas de vida, procuram-na noutros lugares, (e os portugueses, sabem-no melhor disso do que ninguém, durante séculos espalharam-se pelo planeta demandando o que a sua terra madrasta não lhes oferecia).
Ouvimos todos os dias falar da livre circulação de capitais e de mercadorias, apresentam-nos essa liberdade como “sagrada”, a pedra de toque, fazendo a diferença entre o mundo livre e desenvolvido e o subdesenvolvimento das economias fechadas e anacrónicas. No entanto, de maneira contraditória impossibilitam o livre movimento de seres humanos em nome de princípios impenetráveis e incompreensíveis, construindo um apartheid de gente “limpa”e “bem alimentada”, que faz a sua vida por detrás da grande muralha, mas também por detrás dos corpos dos que morrem todos os dias no estreito de Gibraltar, por detrás dos que sobrevivem em campos de concentração em Melilla, em Ceuta, na ilha de Lampedusa em Itália, onde são tratados de forma desumana, só porque como os portugueses das aldeias do Minho e de Trás-os-Montes nos anos 60, procuraram uma vida melhor, procuraram um emprego que assegurasse de comer e de vestir aos seus familiares que ficaram em África.
Para a próxima semana irei mais uma vez passar o estreito de Gibraltar no conforto de um ferry com ar climatizado, e tripulantes gentis que me irão servir um café quente, ou uma cerveja. Nesse momento não conseguirei deixar de pensar nos corpos que nessa mesma manhã, foram recolhidos em sacos de plástico pela Guardia Civil nas praias de Algeciras, de La Linea , de Tarifa, ou de Azhara de los Atunes, não deixarei de pensar no Talhão do cemitério de Algeciras destinado aos corpos dos que morreram ao tentar passar o fatídico estreito.
Ali agora na paz do cemitério, são já só mais um número e uma data, deixaram de ser o Hamed o Omar a Fatma ,e se pensarmos bem até faz sentido, pois do lado de cá da muralha, para os governos para as polícias e para a maioria da opinião pública, eles nunca deixaram de ser um número uma data e mais uma noticia no jornal.
Fernando Gregório - Portimão

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

MOÇÃO







MOÇÃO


Referendo sobre o Tratado de Lisboa

Considerando que:

A assinatura do Tratado Reformador Europeu realizado em Lisboa, confirmou as piores expectativas de quem defende um processo de construção da Europa participado e transparente. O debate público não existiu e os governos provaram que pouco aprenderam com os chumbos do anterior projecto de Tratado Constitucional nos referendos francês e holandês. No essencial, o texto assinado mantém o que de negativo havia na versão original de Giscard d’Estaing e assenta no projecto neo-liberal das lideranças europeias nas últimas décadas.

Derrotados nos referendos em França e na Holanda, os líderes europeus têm medo de voltar a dar a palavra aos cidadãos sobre o modelo de Europa em que querem viver, e preparam-se agora para organizar um carrossel de ratificações parlamentares no ano de 2008.

O 1º Ministro de Portugal, que prometeu o referendo aos portugueses na campanha eleitoral, já deu sinais de vir a quebrar mais esse compromisso. Trata-se de um acto gravíssimo: pela terceira vez, depois da adesão à CEE e do Tratado de Maastricht que instituiu a união monetária, os cidadãos serão impedidos de se pronunciar sobre a escolha política mais importante do país após o 25 de Abril. Ao recusarem o referendo agora, PS e PSD sabem que tão cedo não voltará a surgir uma oportunidade semelhante.
A construção europeia não pode furtar-se ao controlo das populações, e muito menos ser feita nas suas costas. A quebra do compromisso assumido por Sócrates junto dos seus eleitores, a verificar-se, representa objectivamente um sinal de desonestidade política da sua parte.

Nesta conformidade, a Assembleia Municipal de Portimão, reunida em sessão ordinária no dia 17 de Dezembro de 2007, exige ao primeiro-ministro que cumpra as suas promessas e convoque um referendo ao Tratado Reformador da União Europeia, o chamado Tratado de Lisboa.

Os Eleitos Municipais do Bloco de Esquerda
João Vasconcelos
Luísa Penisga

Observação: Moção reprovada por maioria com 14 votos contra do PS e do PSD, 7 votos a favor do BE, CDU, CDS/PP e Independente, e 3 abstenções.

MOÇÃO


MOÇÃO
Linhas de Alta Tensão

Considerando que:

A Rede Eléctrica Nacional (REN) escolheu traçados que afectam pessoas e bens de algumas localidades do país, nomeadamente nos Concelhos de Sintra, Silves e Portimão, para a implantação de linhas aéreas de muito alta tensão, meramente por razões de poupança de custos para a REN;

Os moradores dos concelhos de Sintra e de Silves, devido às justas lutas que travaram contra a REN, obtiveram finalmente a vitória, anunciando o Governo o enterramento e a alteração dos traçados das linhas de alta tensão;

A linha que irá passar sobre Alcalar e o Poio, no concelho de Portimão, ligando o Parque Eólico de Espinhaço de Cão e o Porto de Lagos, além de afectar os moradores locais e as suas propriedades, irá colocar em causa o importante património histórico e cultural e que integra as Reservas Ecológica e Agrícola Nacional (RAN e REN) – o conjunto megalítico de Alcalar constituído por túmulos pré-históricos, pelo que importa a sua preservação e valorização;

É sabido da existência de dados científicos que revelam que a exposição regular a radiações electromagnéticas causa um risco significativamente acrescido de desenvolvimento de certas patologias, designadamente de origem cancerígena.

Neste sentido, a Assembleia Municipal de Portimão, reunida em Sessão Ordinária no dia 17 de Dezembro de 2007:

a) Felicita as populações de Silves e de Sintra pelas importantes vitórias alcançadas contra a intransigência da REN;

b) Exige ao Governo a sua intervenção com vista a alterar os traçados das novas linhas de alta tensão sobre Alcalar e o Poio.

c) Requer à Câmara Municipal de Portimão que interceda junto do Governo, no sentido de que a referida situação seja resolvida a contento das respectivas populações.

Esta moção será enviada para: Primeiro-Ministro, Ministro da Economia, Junta e Assembleia Metropolitanas, Câmaras e Assembleias Municipais de Silves e Sintra e divulgada à comunicação social nacional e regional.

Os Eleitos Municipais do Bloco de Esquerda
João Vasconcelos
Luísa Penisga

Observação: Moção aprovada por unanimidade.



VOTO DE PROTESTO

Assembleia Municipal de Portimão



Portimão, 17 de Dezembro de 2007

Voto de Protesto

Alteração à Lei Eleitoral Autárquica
Um Atentado à Democracia e ao 25 de Abril

Considerando que:

1. O Poder Local Autárquico, eleito democraticamente pelos cidadãos, foi uma das grandes conquistas do 25 de Abril e da Democracia, consubstanciado pelo voto directo, secreto e proporcional para os diferentes órgãos do poder local: Assembleia de Freguesia, Assembleia Municipal e Câmara Municipal.
2. Até aos dias de hoje, praticamente não tem havido no país problemas de governabilidade nos órgãos do poder local, com destaque para os Executivos Camarários.
3. A nível nacional e de acordo com o actual sistema eleitoral proporcional, 89% dos Municípios Portugueses são governados em regime de maioria absoluta, havendo apenas 11% que não são governados desta forma.
4. A pretexto de um melhor funcionamento do poder autárquico e de uma maior estabilidade e reforço dos poderes fiscalizadores, o Partido Socialista e o Partido Social Democrata preparam-se para alterar a actual Lei Eleitoral Autárquica, acabando com as listas para os Executivos Camarários. Em vez de duas listas, haverá apenas uma lista para a Assembleia Municipal, cabendo ao cabeça de lista do partido mais votado desempenhar as funções de Presidente da Câmara, podendo escolher livremente a sua equipa de vereação e formando sempre um executivo maioritário.
5. Este pacto entre o PS e o PSD, à revelia das outras forças políticas e partidárias, para a constituição de executivos maioritários, subverte gravemente os princípios da proporcionalidade pondo em causa o próprio resultado eleitoral, representando assim mais um grave atentado à Democracia e ao 25 de Abril, visto alterar e manipular os votos livremente expressos pelos cidadãos.
6. O objectivo deste acordo para ganhar as Câmaras com maioria absoluta é o de bipartidarizar as eleições locais entre o PS e o PSD, reforçando o presidencialismo municipal e procurando retirar das Câmaras as vozes incómodas.

Assim sendo:

A Assembleia Municipal de Portimão, reunida em sessão ordinária no dia 17 de Dezembro de 2007, formula um voto de protesto, reprovando assim a anunciada proposta de revisão eleitoral autárquica empreendida pelo PS e pelo PSD.

Os Eleitos Municipais do Bloco de Esquerda
João Vasconcelos
Luísa Penisga

Observação: Voto de protesto reprovado por maioria, com 17 votos contra do PS e do PSD e 7 votos a favor do BE, CDU, CDS/PP e Independente.


DECLARAÇÃO DE VOTO


Portimão, 18 de Dezembro de 2007

DECLARAÇÃO DE VOTO


Orçamento 2008 e Grandes Opções do Plano 2008/2011


O Bloco de Esquerda vota contra o Orçamento 2008 e as Grandes Opções do Plano 2008-2011 devido a um conjunto de razões.
Em primeiro lugar, nada de substancial se encontra nos documentos apresentados que vá melhorar significativamente a vida da maioria dos cidadãos do concelho de Portimão, antes pelo contrário, continua a verificar-se a mesma linha de continuidade prosseguida pelo Partido Socialista no poder ao longo das três últimas décadas. Assiste-se mesmo ao agravamento das suas políticas negativas.
Trata-se de uma política assente num desenvolvimento aparente à volta de umas quantas obras faraónicas – Museu, Fórum, Pavilhão Arena, Complexo Desportivo, Autódromo, e de grandes espectáculos pomposos para ir entretendo o povo. Tudo isto irá ter reflexos negativos no que diz respeito ao bem-estar e qualidade devida para os Portimonenses.
Toda esta situação é agravada pelas políticas anti-nacionais e anti-populares do governo Sócrates, que está a conduzir uma das maiores ofensivas neo-liberais contra os trabalhadores e as famílias deste país, aumentando o desemprego e a precariedade, o encerramento e a destruição de serviços públicos, privatizando tudo o que dê lucro como estruturas económicas fundamentais, perseguindo os sindicatos, etc.
Voltando ao Orçamento e às Grandes Opções do Plano, as benesses aos grupos privados aumentam, através das chamadas parcerias público-privadas com a formação das chamadas Empresas S. A. Praticamente tudo roda em torno do Turismo com as consequências nefastas daí resultantes, como o aumento do betão, a especulação imobiliária, a degradação urbanística, a descaracterização da cidade (com a alteração da zona ribeirinha) e o esquecimento mais uma vez das preocupações ambientais.
Nada se diz sobre a recuperação do Convento de S. Francisco e a Casa da Quinta do Morais, nem se fala em acabar com as barracas, uma autêntica nódoa negra no concelho; faltam verbas para a construção de uma passagem aérea no Bairro da Cruz da Parteira, para a construção de um novo Centro de Apoio a Idosos, para mais habitação social, para a construção de mais creches e jardins de infância, e para um combate eficaz à pobreza e exclusão social; o terminal rodoviário, o porto de cruzeiros e o campus universitário continuam a ser uma miragem.
Sobre a protecção da Ria de Alvor nem uma única palavra surge nos documentos apresentados, o que não deixa de ser deveras muito estranho, face aos atentados ambientais que a mesma ultimamente tem sido alvo da parte dos proprietários da Quinta da Rocha.
A Câmara vai continuar a aplicar a taxa máxima de IMI quando concede isenções e facilidades aos grupos privados. Muito gravoso, escandaloso e inaceitável é o aumento dos subsídios às Empresas Municipais em quase 100%, para o incrível valor de 14 milhões de euros, onde parte do dinheiro se destina a financiar as sociedades anónimas privadas. O passivo financeiro vai atingir o valor astronómico de 4 milhões e 900 mil euros, um aumento de 165%!
Finalmente, o Orçamento para a educação, a habitação social, a protecção do ambiente e conservação da natureza e a indústria apresentam valores bem inferiores ao orçamentado para a cultura.
Face ao exposto, como as propostas por parte da Câmara do Partido Socialista não defendem os reais interesses das populações do Município, o Grupo Municipal do Bloco de Esquerda vota contra o Orçamento para 2008 e as Grandes Opções do Plano para 2008/2011.

O Grupo Municipal do Bloco de Esquerda
João Vasconcelos
Francisco Reis

Por ironia...



Por ironia dum destino cruel, Paulo Portas já não é ministro do Mar nem da Defesa.

Em 2002, um milagre de Fátima tirou-lhe a hipótese de combater a maré negra do Prestige; em 2004, deu uma amostra da sua raça ao enviar a Marinha contra o barco das Women on Wave - ganhou a "batalha naval" mas perdeu a guerra no referendo ao aborto, o acontecimento deste ano de 2007.

E ontem perdeu a oportunidade histórica de demonstrar todo o seu génio militar no combate aos 23 mouros que invadiram a Culatra, oriundos de Marrocos - qual quinta-coluna dos infiéis, projectando a reconquista da Península para aqui restaurar o Al-Andaluz... e o Al-Gharb.




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Mas afinal quem são estes invasores? Um grupo de 23 cidadãos marroquinos, entre os quais cinco mulheres, que chegaram a terra cheios de fome, sede e frio... Alguns ainda encontraram forças para tentar uma fuga para a liberdade no deserto da Culatra, incluindo uma jovem de 15 anos que acabou por ser conduzida ao Hospital de Faro, acompanhada dum colega com sintomas de hipotermia.

Perante este quadro, é difícil evitar o vómito ao ouvir esse campeão da demagogia chorar lágrimas de crocodilo sobre "os dramas humanos" destes náufragos que andaram quatro dias à deriva para, logo a seguir, reclamar "a máxima firmeza contra a imigração ilegal". Um tiro pela culatra?
Os próprios responsáveis da Marinha e o Director Regional do SEF reconheceram: "tudo indica que Portugal não fosse o destino inicial" destes imigrantes que, no entanto, hoje vão a tribunal como se fossem criminosos. Independentemente dos ventos e tempestades que os desviaram da rota provável para além do estreito de Gibraltar, este episódio tem o mérito de confrontar a sociedade portuguesa com o drama da imigração ilegal, agora por via marítima; quanto às fronteiras terrestres, há muito que a realidade nua e crua é uma política de portas fechadas e janelas escancaradas. Contam-se por largas centenas os imigrantes africanos que chegam até nós, vindos do sul de Espanha, depois de ultrapassarem o Cabo Bojador, em pirogas bem mais frágeis que as caravelas do século XV...




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As causas desta autêntica epopeia são conhecidas: a desesperança de vida em África cresce quase na proporção directa das necessidades de mão-de-obra barata nos mercados europeus. Enquanto um visto legal para a Europa custa 4 mil euros e um tempo médio de espera de um ano, uma passagem de piroga custa 150 euros, como afirmava um participante senegalês na recente Cimeira Alternativa Europa-África. Quem já nada tem a perder arrisca, mesmo se a probabilidade de ficar sepultado no fundo do oceano rondou os 20% em 2006 - bem inferior à hipótese de arranjar trabalho ilegal.
Suprema hipocrisia: depois de as autoridades expulsarem uns quantos imigrantes para as televisões, a grande maioria sai das Canárias e é abandonada em estações de comboio de Sevilha, Madrid ou Barcelona; tal e qual o que acontece em Itália, com milhares de imigrantes transportados da ilha de Lampedusa para o continente, com a recomendação expressa para "abandonarem o país"... que toda a gente sabe que ninguém vai cumprir! A própria lógica de mercado, tão incensada pelos governos neoliberais, assim o determina nesta Europa que precisa da mão-de-obra imigrante como pão para a boca, até para combater a crise demográfica e sustentar os sistemas de segurança social. A escolha é apenas uma: imigração ilegal e mercado negro, a coberto da hipocrisia dos governos, ou abertura de canais acessíveis e expeditos de imigração legal e com direitos.






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A outra face desta moeda, essa sim dramática, é a sangria permanente das riquezas de África: não só o saque continuado das matérias-primas e o desastre ambiental provocado pelas transnacionais, mas sobretudo a perda dos melhores recursos humanos que procuram emigrar, por todos os meios. A inversão deste estado de coisas, de forma a permitir o regresso de quadros e recursos acumulados na diáspora, é uma empreitada de longa duração que não será bem sucedida se os povos africanos ficarem à espera das dádivas neocoloniais. Assim ficou demonstrado na recente Cimeira de Lisboa, face à tentativa de imposição dos EPA ou APE - acordos de parceria económica - das potências europeias com agrupamentos forçados de Estados africanos, ao pior estilo da Conferência de Berlim de 1884/85 - imposição recusada por Estados da dimensão da África do Sul, Nigéria ou Senegal.




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Propaganda socrática à parte, a solidariedade entre africanos e europeus não passa pelos governos e exige, no caso da Culatra, que os náufragos marroquinos sejam protegidos como vítimas de tráfico humano. Neste "Natal dos Tristes", o Zeca dedicar-lhes-ia, certamente, "Os Índios da Meia-Praia".










Alberto Matos - Crónica semanal na Rádio Pax - 18/12/2007