Basta de continuar a adiar a Regionalização.
Exige-se mais acção e menos retórica!
João Vasconcelos (
[*])
Resumo
O processo de Regionalização é uma inevitabilidade histórica, no contexto global em que vivemos, e são as populações que ficam a perder se o seu adiamento continuar a persistir. A Regionalização já existe em praticamente todos os países da Europa, sob múltiplas formas e configurações, sendo reconhecida pela União Europeia como pilar fundamental da construção da Paz e da Prosperidade Europeia.
O presente modelo que instituiu as Grandes Áreas Metropolitanas tem pouca eficácia, (a do Algarve não funciona), tratando-se de facto, de um travão à implementação da verdadeira e efectiva Regionalização.
Desde há muito que devia ter sido criada a Região Administrativa do Algarve. A Regionalização permite que as decisões sejam tomadas mais perto dos cidadãos e de forma mais rápida. Permite uma maior participação da cidadania e uma maior e melhor dinamização da economia regional, contribuindo para um desenvolvimento mais sustentável do Algarve, combatendo as assimetrias sociais, económicas, culturais e ambientais.
O PS e o PSD têm sido os principais responsáveis pela não implementação do processo de criação das Regiões Administrativas. O Referendo de 1998 já vai longe. Basta de continuar a adiar a Regionalização – exige-se daqueles que têm responsabilidade na matéria mais acção e menos retórica.
1. Considerandos históricos
A Regionalização do país, além de ser um imperativo constitucional, comporta alguns fundamentos históricos mais antigos, desmistificando todos aqueles que são contrários à implementação das Regiões Administrativas. Um dos argumentos utilizados pelos centralistas é que nunca houve entre nós uma tradição regionalista, mas única e exclusivamente uma tradição municipalista, o que não é verdade. Os seus argumentos, empíricos e falaciosos, esbarram nos factos históricos.
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Uma das principais conquistas da Revolução Liberal de 1820 foi sem dúvida a Constituição de 1822, promulgada pela Assembleia Constituinte e que promoveu uma reorganização territorial do país de carácter regional. De facto, o nosso primeiro texto constitucional apresentava as regiões na forma de Distritos, tendo à sua frente uma Administrador Geral, nomeado pelo Rei e auxiliado por uma Junta Administrativa, composta por igual número de membros conforme as Câmaras de Distrito, eleitos anualmente. Esta Junta electiva não era um mero órgão de retórica, pois tinha voto decisivo em assuntos da sua competência.
Mais tarde, durante a guerra civil que opôs frente a frente Liberais e Absolutistas, D. Pedro IV que estabeleceu o seu governo nos Açores, promulgou na cidade de Ponta Delgada, no dia 16 de Maio de 1832, o Despacho nº 23 que criava a Província como órgão administrativo. As Províncias, associando Concelhos com determinadas afinidades geográficas, sociais e económicas, foram oito – Trás-os-Montes, Minho, Douro, Beira Alta, Beira Baixa, Estremadura, Alentejo e Algarve. O Rei nomeava os Prefeitos que ficavam à frente das Províncias, funcionando junto de cada um uma Junta Geral de Província com competências para contrair empréstimos e promover as obras necessárias com vista aos melhoramentos das respectivas regiões provinciais.
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Com a implantação da República em 1910, os Distritos voltam a assumir as suas funções autárquicas que tinham sido perdidas nas convulsões da Monarquia Constitucional, estipulando a Constituição de 1911 a não ingerência do poder central no funcionamento das Autarquias, passando estas a ser eleitas por sufrágio directo a partir de 1913.
Convém assinalar que a tradição regionalista do país mergulha muito mais longe do que nos inícios do advento do Liberalismo, recuando quase até às raízes da nacionalidade. De facto, em 1299 o rei D. Dinis estabeleceu uma divisão do reino de tipo regional criando a Comarca, tendo à sua frente uma Corregedor, de nomeação régia, com funções administrativas, militares, policiais, judiciais e de desenvolvimento. Foram seis as Comarcas criadas – Entre Douro e Minho, Entre Douro e Mondego, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Odiana, e Moura e Serpa. Ainda durante a vigência da 1ª Dinastia operou-se uma nova reorganização das Comarcas – Trá-los Montes, Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Odiana e Algarve.
No reinado de D. João III, entre 1530 e 1550, teve lugar uma nova reorganização territorial em que as comarcas passaram a ser designadas por Regiões ou Províncias, por sua vez subdivididas em Comarcas.
Durante o domínio Filipino e até ao Liberalismo assistiu-se a uma centralização do território, numa época em que o Absolutismo régio concentrava em si todos os poderes. A divisão territorial verificada passou a resultar de factores como a demografia, as acessibilidades, a hidrografia e a orografia, visando um maior controlo do poder régio.
2. Sagas e Peripécias de uma Regionalização há muito Anunciada
Com a Revolução de Abril a instituição das Regiões Administrativas ficaram consignadas na Constituição de 1976, aprovada por todas as forças partidárias de então, excepto o CDS. Ou seja, há 31 anos que a Regionalização Administrativa do Continente se encontra inscrita na nossa Lei Fundamental. A Regionalização há muito anunciada e prometida não se cumpriu.
Vejamos as suas sagas e peripécias na forma de um pequeno balanço. Nada de significativo se passou até ao ano de 1991 quando, finalmente, o 1º Ministro do governo PSD, Cavaco Silva, fez aprovar a Lei nº 56/91 referente à Lei Quadro das Regiões Administrativas, de certa maneira para calar as vozes da oposição e nas vésperas de novas eleições legislativas. Esta Lei acabou por confirmar o que já tinha sido acordado entre os dois principais partidos do sistema rotativo, PS e PSD, eliminando o artigo constitucional nº 261, relativo ao Conselho Regional. Este órgão, embora com funções meramente consultivas seria claramente positivo, pois permitia uma adequada representação de organizações profissionais, económicas, sociais e culturais.
O Partido Socialista e o Partido Social Democrata ganharam várias eleições, alternando-se no poder, com a promessa da Regionalização inscrita nos seus programas eleitorais, mas nada faziam de concreto sobre a mesma quando chegavam ao poder. O poder centralista e controleirista do Terreiro do Paço, mesmo no nosso regime democrático, não pondo em prática as Regiões Administrativas, tem sido um travão ao progresso e ao desenvolvimento do país. O PS e o PSD têm sido os grandes e os principais responsáveis pela não implementação da Regionalização, logo travaram e até agravaram o desenvolvimento regional e nacional.
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Continuando a saga, em 1993 o Deputado Mário Tomé, da União Democrática Popular (uma das forças políticas que constituem o Bloco de Esquerda), apresentou um Projecto – Lei de Regionalização no Parlamento, anunciando-o publicamente no Algarve e propondo para esta Região a imediata implementação de Região Administrativa Piloto, visto reunir todas as condições para esta experiência. Isto seria possível se os dois maiores partidos parlamentares estivessem de acordo em eliminar o artigo 255º da Constituição que estabelece o princípio da simultaneidade para a criação das Regiões Administrativas. Bastava vontade política mas não houve.
Em 1994 Cavaco Silva no seu projecto de revisão constitucional deixa cair o tema da Regionalização e perdeu as legislativas no ano seguinte. Em 1995 António Guterres ganhou as eleições legislativas e um dos pontos altos das suas promessas eleitorais foi mais uma vez o tema da Regionalização, afirmando que esta se concretizaria para todo o país até às eleições autárquicas de 1997. Bonitas palavras! Só que bonitas palavras leva-as o vento! O governo PS aceitou a proposta do PSD, agora na oposição, de referendar a Regionalização. Se não fosse aceite a chantagem de Marcelo Rebelo de Sousa não haveria acordo para o processo de revisão constitucional, uma revisão que tanto Guterres como Marcelo almejavam ufanamente, a favor da Europa neo-liberal de Maastricht e contra os direitos dos trabalhadores. A Regionalização levara mais uma punhalada mortal, servindo como moeda de troca para mais uma nova revisão à direita da Constituição. Mais uma vez o bloco central funcionou às “mil maravilhas” e os resultados não se fariam esperar.
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Em Março de 1997, no 9º Congresso do Algarve realizado em Vilamoura, apresentei uma comunicação sobre a Regionalização com o título “Alerta! A Regionalização está em Perigo!”, perante os últimos factos referidos e não me equivoquei, pelo menos para os tempos mais próximos e já passaram 10 anos! Em 1998 teve lugar o Referendo e sabemos o que aconteceu.
Nessa comunicação afirmei que a realização de um Referendo “pode ser mortal para a Regionalização (e para a criação da Região Administrativa do Algarve)”. Referi ainda que, o seu carácter vinculativo dependia da participação de pelo menos 50% dos eleitores e destes a maioria teria de pronunciar-se pelo Sim, mas que na altura da votação “aumentará a tendência para a abstenção e para dizer não ao Referendo”, devido a uma maior contestação dos trabalhadores e do povo às políticas anti-populares do governo Guterres, e ao facto do próprio PS se encontrar dividido no que concerne à Regionalização, caso de vozes contrárias de personalidades de vulto, como Mário Soares e Almeida Santos e até oriundos de outras áreas, como o caso do escritor José Saramago.
Infelizmente, os meus receios confirmaram-se. Votaram cerca de 30% dos eleitores e destes a maioria pronunciou-se pelo Não. As responsabilidades por este rotundo fracasso só podem ser assacadas ao PS e ao PSD. Foram muito céleres em referendar matérias consignadas na Constituição da República, no entanto fogem como “o diabo da cruz” de referendar matérias tão cruciais como o Tratado Constitucional da Europa e que prometeram aos cidadãos de Portugal! Mais uma vez não cumprem o que prometeram e a responsabilidade maior agora vai para Sócrates, pois é o 1º Ministro deste país.
3. A Grande Área Metropolitana do Algarve
Com Durão Barroso tivemos a Reforma Relvas em 2003, consubstanciada na criação das Grandes Áreas Metropolitanas. Pretextando uma descentralização política e administrativa do território, esta reforma tem funcionado como um travão à implementação da verdadeira e efectiva Regionalização. Esta só se efectivará, de facto, quando forem criadas as Regiões Administrativas, através do voto universal, secreto e directo dos cidadãos.
De acordo com a lei, a Grande Área Metropolitana do Algarve (GAMAL), tal como as outras GAM, foi constituída, sem prejuízo das atribuições transferidas pela administração central e pelos municípios, com o objectivo da prossecução de determinados fins públicos, nomeadamente na articulação dos investimentos municipais de interesse supramunicipal; na coordenação de actuação entre os municípios e os serviços da administração central, em determinadas áreas como saneamento básico e abastecimento público, educação, saúde, ambiente e conservação da natureza, acessibilidades e transportes, protecção civil, equipamentos colectivos, apoios ao turismo, cultura, juventude, desporto e actividades de lazer; planeamento e gestão estratégica, económica e social; gestão territorial na área dos municípios integrantes da GAMAL.
Apesar desta séria limitação – a não existência da Regionalização – a GAMAL apenas tem funcionado, na prática e muito aquém do que seria de esperar, em torno de um dos seus órgãos – a Junta Metropolitana. A Assembleia Metropolitana, o órgão deliberativo por excelência, praticamente não tem funcionado, apenas se limitando à aprovação das opções do plano e orçamento, prestação de contas e pouco mais.
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A Assembleia Metropolitana, pela importância que lhe cabe, não obstante as suas limitações, devia assumir-se na Região como um órgão político dinamizador e interveniente, discutindo, tomando posição e deliberando atempadamente sobre os assuntos e matérias que dizem respeito à Região do Algarve, como por exemplo as verbas atribuídas no âmbito do PIDDAC, a implementação do PROTAL, o ordenamento do território e a gestão dos recursos hídricos, um Plano Energético Regional e de Transportes Sustentável, a defesa e preservação das áreas de paisagem protegida, as políticas de saúde e educação na Região, etc. Se assim sucedesse, quem sairia a ganhar seria o Algarve e as suas populações.
A principal responsabilidade por esta inoperância da Assembleia Metropolitana cabe ao Partido Socialista, pois, como se sabe, embora detendo a sua Presidência, não detém a maioria neste órgão, pelo que, tem procurado evitar tomadas de posição políticas que não estejam de acordo com as suas orientações, ou que sejam críticas e discordantes das políticas preconizadas pelo governo Sócrates, igualmente da responsabilidade do Partido Socialista. Talvez esta seja uma das principais razões que leva Sócrates a aniquilar de vez a GAMAL, (que nunca foi reconhecida juridicamente), reactivando a Associação de Municípios do Algarve, de duvidosa mais valia e eficácia.
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A bem da região algarvia e das suas populações e, enquanto não for implementada a Região Administrativa, deverá a Assembleia Metropolitana do Algarve assumir por inteiro as suas responsabilidades, exigindo as competências a que tem direito, tornando-se num órgão político mais participativo, catalizador, interveniente e dinamizador. Assim se construirá mais Cidadania e mais Democracia também no Algarve.
4. O Centralismo do Governo Sócrates
O actual Governo em vez de apostar numa descentralização progressiva do Estado, faz exactamente o contrário, procurando concentrar tudo no Terreiro do Paço. Por outro lado persiste numa política de esvaziamento e abandono do interior do país, encerrando serviços públicos essenciais como maternidades, centros de saúde, urgências nocturnas, escolas, linhas de caminhos-de-ferro, estações dos CTT, notários, tribunais, postos das forças de segurança, etc., surgindo às populações como uma desresponsabilização do Estado face às suas obrigações e funções sociais. Tudo isto em nome da redução da despesa orçamental. Só que o preço a pagar será demasiado elevado.
O Algarve não foge à regra. A par de diversos encerramentos, nos últimos dois anos passaram várias competências para Lisboa, como aliás, algumas personalidades públicas têm denunciado. Assim, o Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional passou a ser nomeado por Lisboa em vez de eleito na região; os parques e reservas naturais que antes possuíam directores técnicos no Algarve, agora tudo depende da capital; a circunscrição das florestas do Algarve foi extinta; a Direcção de Estradas de Faro e o INATEL passaram a ser dirigidos a partir de Beja; o Instituto portuário autónomo que existia no Algarve passou a depender de Lisboa; a delegação do património arquitectónico que existia na região foi extinta; já não existe no Algarve a unidade que geria os fundos para o desenvolvimento rural, tudo passando para Lisboa.
Ao contrário do que se assiste por toda a Europa, Portugal vai em contra-corrente, agravando-se as assimetrias locais e regionais. O Algarve está a ser duramente atingido pelas medidas centralizadoras do Governo Sócrates que não olha a meios para alcançar os fins. Como pode este Governo afirmar que pretende a descentralização do Estado e a regionalização administrativa quando está a enveredar por uma centralização a todo o vapor? Trata-se de hipocrisia e demagogia barata!
5. Algarve – Graves Distorções, Caos Urbanístico e Delapidação Pública
A Regionalização não é certamente a varinha mágica que resolve todos os problemas, no entanto permite uma maior democracia e participação dos cidadãos, aproxima estes mais do poder para a resolução das suas necessidades, permite combater com mais eficácia o clientelismo, as assimetrias e a corrupção. O poder de decisão aproxima-se mais das populações locais, facilitando assim a sua participação e controlo por meio da eleição dos órgãos regionais, ao invés do que actualmente sucede com os organismos governamentais – CCDR, Governo Civil, Delegações Regionais, etc. –, nomeados e totalmente dependentes de Lisboa, o que provoca graves prejuízos ao desenvolvimento regional, como o Algarve.
Por outro lado, de modo algum os poderes e competências dos municípios saem afectados com a implementação das Regiões Administrativas, pois a Constituição da República no seu artigo 257º impede que isso aconteça, conferindo a estas “a direcção de serviços públicos e tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios no respeito da autonomia destes e sem limitação dos respectivos poderes”. Regionalizar conduz também à partilha do poder, o que não agrada nada aos centralista e a quem detém o poder central, pois ficam mais vulneráveis às críticas e à erosão governativa. Um controlo mais apertado do poder serve melhor os desígnios e as intenções dos centralistas.
A não implementação da Região Administrativa do Algarve (e de outras Regiões no país), tem conduzido a graves distorções económicas, sociais, ambientais e culturais. Um desenvolvimento regional que devia ter sido mais harmonioso e equilibrado em todas as suas vertentes, ao longo das últimas décadas, não teve lugar, antes agravou-se. O modelo de desenvolvimento que tem imperado no Algarve e que teima em prosseguir tem sido errado. Tem faltado um Plano de Desenvolvimento Regional do Algarve emanado de uma Assembleia Regional.
Temos o PROTAL, o Plano Regional de Turismo do Algarve e outros planos, mas a solução de fundo continua a não ser resolvida e com tendência a agravar-se de forma galopante. O modelo de desenvolvimento económico em que o turismo se tornou o pólo determinante e exclusivo da economia algarvia, conduziu a grandes fragilidades a nível da coesão interna, da grande dependência em relação a agentes e centros de decisão externos e da forte sazonalidade que tem caracterizado a sua base económica, como há alguns anos atrás reconheceu o próprio PRTA.
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Não foi só o facto da actividade turística se ter imposto à custa da extinção e quase eliminação de sectores económicos tradicionais, como as conservas, as pescas e a agricultura, e ser uma indústria predominantemente sazonal, o que provoca grandes índices de precariedade, salários baixos e desemprego nas famílias algarvias. É que a forma e o modo como o turismo se impôs na região – especulação desenfreada, proliferação caótica e construção de torres de cimento armado e novas frentes urbanas, atentados flagrantes e destruição do meio e qualidade ambientais, delapidação do bem público em prol dos interesses privados, o aumento da concentração da população numa estreita faixa do litoral enquanto o interior algarvio se desertifica – torna o modelo de desenvolvimento, que alguns teimam em prosseguir, insustentável.
O modelo de desenvolvimento existente, em vez de promover a coesão regional e a solidariedade, acentuou os desequilíbrios e as assimetrias na distribuição das actividades sócio-económicas, no investimento público e na distribuição da população – Lagos, Portimão, Lagoa, Albufeira, Loulé e Faro com 30% do território do Algarve, concentram 60% da população, 75% do emprego nas empresas e 90% das dormidas na hotelaria.
No conjunto dos 6 Concelhos menos desenvolvidos da região algarvia – Aljezur, Vila do Bispo, Monchique, Alcoutim, Castro Marim e S. Brás de Alportel – concentravam-se 9,5% dos habitantes em 2002, quando em 1991 o valor situava-se nos 10,8%. Já nos 6 Concelhos do litoral centro – Lagos, Portimão, Lagoa, Loulé, Albufeira e Faro – atingiram 61% da população em 2002, quando em 1991 tinham 57,4%. A mesma tendência pode ser observada nas actividades empresariais: no ano de 1996 apenas se encontravam registadas nos 6 Concelhos do interior apenas 8,6% das empresas da região, baixando para 7,7% em 2004; nos 6 Concelhos do litoral centro estavam inscritas 62,6% das empresas em 1997, subindo para 65% em 2004. No que se refere à oferta turística as disparidades são ainda maiores: nos 6 Concelhos do interior, com 39% do território, a oferta não chegou aos 2%, ultrapassando no entanto os 85% nos 6 Concelhos do litoral, levando a uma sobre-ocupação dos 32% do seu território. Todas estas situações se devem ter agravado até aos dias de hoje.
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Estes são apenas alguns exemplos, não obstante vigorar no Algarve um Plano Regional de Ordenamento do Território. Pergunta-se: caso já há muito o Algarve tivesse uma Região Administrativa, teriam ocorrido estes erros e distorções? Estou em crer que, a haver, seriam de muito menor dimensão e gravidade.
6. A Força Predatória dos PIN
Temos um novo Plano de Ordenamento do Território para o Algarve (PROTAL) publicado no passado dia 3 de Agosto, curiosamente mais de dois meses depois de ter sido aprovado em Conselho de Ministros, o que não deixa de ser estranho. Uns dias antes da sua aprovação José Sócrates e alguns dos seus Ministros deslocaram-se ao Algarve onde fizeram a apresentação pública de alguns projectos polémicos para a Região, os Projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN), que podem assumir a forma de resorts de luxo, hotéis de cinco e seis estrelas, campos de golfe, marinas, Núcleos de Desenvolvimento Turístico.
O novo PROTAL reconhece alguns pontos fracos de que sofre a região algarvia, como a intensa urbanização e construção no litoral, a fragmentação da rede ecológica regional, as dinâmicas insuficientes das zonas do interior e aponta algumas medidas de índole restritiva, como impedir a edificação dispersa em zonas inundáveis ou sensíveis, ou proibir as construções nas faixas de risco e nas zonas terrestres de protecção no litoral. Todavia, parece que nada detém os PIN (cerca de 30 projectos), nem mesmo o PROTAL.
Embevecido pelos milhões fáceis o Governo Sócrates vai aprovar muito rapidamente 50 mil novas camas para o Algarve à margem do PROTAL (cerca de 10 PIN já aprovados), o que significa a perpetuação do regabofe das últimas décadas. Tem sido este regabofe que permitiu que o Algarve tenha hoje mais de meio milhão de licenças de construção emitidas e várias centenas de milhar ainda para construir. Por este caminho nada escapará aos interesses vorazes e predatórios das imobiliárias, nem mesmo as áreas protegidas, integradas na REN, RAN, Rede Natura ou qualquer outra classificação – é o caso da Ria Formosa, Ria de Alvor, Costa Vicentina, Baixo Guadiana, algumas das áreas preservadas da costa sul da região, como a Praia Grande, em Armação de Pêra, ou da Meia Praia, em Lagos, ou certas zonas do interior como o Sítio Classificado da Fonte da Benémola, em Loulé.
Os últimos acontecimentos verificados na Quinta da Rocha, situada na Ria de Alvor, com a aprovação de uma piscicultura e a destruição e espécies e habitats prioritários, protegidos por directivas comunitárias, não augura nada de bom, caso não haja vigilância e pressão da sociedade civil e de outros intervenientes. Não há direito que apenas alguns, privados, destruam ou usufruam daquilo que é público, que é de todos.
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Voltando ainda aos PIN, os 8 já aprovados até este Verão que passou localizam-se quase todos no litoral, zonas que deverão ser protegidas mas que o actual Governo até incentiva, permitindo a betonização intensiva do que resta. Os Planos Directores Municipais são suspensos e os hotéis de luxo, que darão lugar a casas para segundas habitações, vão surgindo como cogumelos nas falésias, em zonas protegidas de floresta e nas áreas ecológicas e agrícolas onde é interdito construir. Depois vem o Ministro da Economia dizer que “todos estes projectos respeitam os melhores critérios, não só de ordenamento de território, como também a qualidade ambiental”. Não passa de “letra de música”.
Ainda muito recentemente, Jean-Claude Baumgarten, presidente executivo do Conselho Mundial de Viagens e Turismo e que passou por Lisboa, aconselhou os portugueses a não construírem de mais e a aprender com os erros dos outros, nomeadamente com o que se passa em Espanha. Mas por cá o Governo é autista e está a comportar-se como o “porteiro” dos grandes negócios. O Ministro Manuel Pinho já traçou a meta para o Algarve até 2010 – o dobro de marinas e de hotéis de cinco estrelas (21 hotéis) e a oferta de 78 campos de golfe (34 em exploração, 5 em construção, 39 novas intenções), o que será um absurdo e um desastre para a região. O que não admira, quando o Ministro profere afirmações absurdas, de que o golfe “está para o Algarve como a neve para a Suiça”. Trata-se da catástrofe anunciada.
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O pretexto final para a construção dos PIN é que estes irão criar algumas centenas de postos de trabalho. Talvez assim seja, em particular destinados a mão-de-obra imigrante, ainda mais barata, vai aumentar a precariedade e contribuir para o alargamento das desigualdades e das assimetrias a nível regional. Esta política de turismo de luxo irá escancarar a região aos interesses dos grandes grupos económicos do turismo que, além de promoverem o maná das mais valias urbanísticas, irão degradar e delapidar o que resta do meio ambiente. Depois aí estão as alterações climáticas em toda a sua dimensão nua e crua – a subida do nível das águas do mar, o avanço da desertificação, o aumento das temperaturas, a escassez de água potável.
7. Em Frente com a Regionalização – Mais Acção e Menos Retórica!
Só a Regionalização poderá impedir ou, pelo menos limitar, o desastre anunciado para o Algarve. Além de permitir uma maior participação da cidadania e uma maior e melhor dinamização da economia regional, a Regionalização contribui para um desenvolvimento mais sustentável do Algarve (e do país), combatendo as assimetrias sociais, económicas, culturais e ambientais.
A Regionalização já existe em praticamente todos os países da Europa, e é reconhecida pela União Europeia como um pilar fundamental da construção da Paz e da Prosperidade Europeia. O processo de criação das Regiões Administrativas afirma-se como uma inevitabilidade histórica e o país só fica a perder se o continuar a adiar. Em todos os países que optaram por esta forma de organização do Estado não se verificam quaisquer movimentos no sentido da centralização, sinal de que os benefícios estão a ser evidentes para as economias e os cidadãos desses países.
José Sócrates não quer avançar com o processo de Regionalização nesta legislatura, só o admitindo para a próxima, entre 2009-2013, o que, a par de muitas outras, representa mais uma teimosia da sua parte, com consequências nefastas para o país. Até o Presidente do Comité das Regiões da União Europeia, Michel Delebarre, que no passado mês de Setembro participou em Vilamoura na 102ª reunião extraordinária da Mesa do Comité das Regiões, afirmou que em Portugal se chegou ao fim do tempo dos debates e que o processo da regionalização é inevitável e incontornável.
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Parece que hoje é mais ou menos consensual na sociedade portuguesa que a divisão administrativa que mais se adequa à Regionalização são os limites das chamadas NUT II (Nomenclaturas de Unidades Territoriais) e que correspondem às áreas de influência das cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). O Algarve, devido às suas características, é a região que se encontra melhor preparada para avançar para uma Região Administrativa, pois encontra-se integrada no contexto das NUT II e mesmo das NUT III, como por exemplo a gestão conjunta dos sistemas multimunicipais de abastecimento e saneamento da Águas do Algarve.
O referendo sobre a Regionalização, previsto na Constituição deverá ser antecipado, ocorrendo antes das próximas legislativas de 2009. Que espera o actual Governo do Partido Socialista? Todos sabemos que o facto de não termos as Regiões Administrativas até hoje se deve aos dois maiores partidos do sistema – o PS e o PSD são os principais responsáveis. Basta de continuar a adiar por muito mais tempo a Regionalização.
Passou-se quase uma década desde o Referendo de 1998. No 8º Congresso do Algarve, no ano de 1995, frisei que a Regionalização era “um ‘parto’ complexo e continuamente adiado, mas inevitável”. De facto, não há mais tempo a perder e o movimento parece que se tornou imparável. Parece que agora todas as principais forças políticas do nosso leque partidário, exceptuando o CDS/PP, se perfilam oficialmente a favor da Regionalização, o que não quer dizer que esta já esteja ganha – o novo Referendo é para vencer! Os centralistas não irão abdicar facilmente dos seus poderes e a luta afigura-se árdua para sair ganhadora. Ao continuar a atrasar o processo da Regionalização, Portugal só se afastará ainda mais dos parâmetros de desenvolvimento da União Europeia, agravando as assimetrias e comprometendo ainda mais o futuro dos seus cidadãos.
Exige-se mais acção e menos retórica! O Algarve (e o país) não pode continuar a ser penalizado. Há que aprender e ter em conta a experiência de outros países e regiões da Europa. Por exemplo, a França teve um notório sucesso com o seu processo de regionalização administrativa e a Galiza e a Andaluzia reforçaram a coesão nacional e promoveram o seu desenvolvimento. A Regionalização permite combater as burocracias e fazer mais obras com menos dinheiro. Por outro lado, só a Regionalização poderá suprir de forma eficaz o vazio que existe entre o poder central e as autarquias locais para a gestão de projectos e outras actividades de índole supra-municipal.
Já chega de centralismo asfixiante. O Algarve não pode esperar mais. São de apoiar os movimentos criados, ou que se venham a criar, em defesa de um referendo sobre a Regionalização antes de 2009. O modelo para a implementação da Região Administrativa do Algarve (e das outras Regiões Administrativas) será o tema para uma outra comunicação e debate.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Observação: Comunicação feita no 13º Congresso do Algarve no Centro Cultural de Lagos, no dia 15 de Novembro de 2007.
Dirigente do Bloco de Esquerda e membro da Assembleia Metropolitana do Algarve (AMAL).