segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Bloco de Esquerda Portimão

Bloco de Esquerda Portimão
Rua 5 de Outubro, nº 39
8500-581 - Portimão


Portimão, 25 de Novembro de 2007

À atenção da comunicação social

Assunto: Comissão Coordenadora Concelhia, Balanço e Linhas de Rumo do Bloco em Portimão.








No passado dia 23 de Novembro foi eleita a nova Comissão Coordenadora Concelhia do Bloco de Esquerda de Portimão, que se manterá em funções durante dois anos, até à VI Convenção Nacional do B E. Os membros eleitos foram os seguintes: Anabela Morais – Psicóloga; Eduardo Miguel – Carpinteiro; Fernando Gregório – Professor; Fernando Manuel Oliveira – Professor; Francisco Silva Reis – Carteiro; JoãoVasconcelos – Professor; José Sá Vieira – Professor; Luís Moleiro dos Santos – Professor; Maria Rosa Serra – Desempregada; Maria Luísa Penisga – Professora; Miguel Martins Madeira – Economista; Paulo José Oliveira – Enfermeiro; Pedro Miguel Mota – Técnico de Gestão Postal; Simeão Quedas – Professor.








No dia seguinte, dia 24 de Novembro, realizou-se como previsto, um jantar de confraternização e luta da concelhia portimonense do Bloco de Esquerda, onde foi feito um balanço de intervenção autárquica do Bloco em Portimão e traçadas as principais linhas de rumo desta força política nos próximos dois anos. Este jantar, em que participaram 40 pessoas, contou com a presença da Deputada Ana Drago, Aníbal Almeida, Secretário da Junta de Freguesia do Parchal, e de um membro da Comissão de Viveiristas e Mariscadores de Alvor, convidados pelo Bloco.


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Neste jantar e em nome da Concelhia, João Vasconcelos, membro da Assembleia Municipal de Portimão, fez o balanço da actividade do Bloco, referindo que este partido teve de enfrentar muitas dificuldades, a imposição e a arrogância da maioria do partido Socialista, mas também a oposição da direita PSD/PP e até do PCP/CDU. Todos têm tentado calar a voz do Bloco mas jamais conseguirão tal intento, pois o Bloco é a voz livre dos cidadãos e apresenta soluções no combate contra a indiferença, a exclusão social, a corrupção e a injustiça. Referiu que foram apresentadas dezenas de moções e que muitas foram aprovadas, mas o PS não as coloca em prática, o que significa prepotência, arrogância e atitude anti-democrática, tal como vem fazendo o PS e Sócrates a nível nacional. Mereceu particular destaque a luta em defesa da Ria de Alvor, onde o Bloco apresentou duas moções na Assembleia e que foram aprovadas por unanimidade condenando o proprietário da Quinta da Rocha pelos atentados ambientais que tem praticado.

Uma primeira vitória foi o facto da CCDRA ter dado parecer desfavorável a um projecto de piscicultura a instalar na zona protegida. Quanto às principais linhas de rumo do Bloco em Portimão referiu: o combate em defesa das políticas ambientais e da qualidade de vida; o combate em defesa das políticas sociais; a luta pela transparência e contra a corrupção; a luta por mais e melhor participação dos cidadãos. (Sobre o balanço e linhas de rumo ver documento em anexo).


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Na sua intervenção a Deputada do Bloco, Ana Drago, atacou fortemente o governo Sócrates, dizendo que o mesmo não tem qualquer credibilidade, que tem provocado desemprego e está a destruir os serviços públicos. Referiu-se à vergonha que representa o negócio com as Estradas de Portugal e à manipulação dos números e do buraco em torno da saúde. Frisou que os salários reais estão a cair pelo oitavo ano consecutivo na função pública, que Portugal tem uma imensa mancha de pobreza e que temos uma imensa geração de 500 euros a viver de biscates. No final mencionou que o nosso país precisa de uma esquerda capaz de assumir prioridades, como o combate ao desemprego em nome da justiça, a redução da pobreza em nome da justiça, o fim da precariedade em nome da justiça, um serviço de saúde universal e acessível a quem precise em nome da justiça. E que em nome da justiça o Bloco de Esquerda continuará a fazer oposição, propostas e combates.
Desde já agradecemos a publicação e divulgação desta nota de imprensa nos v/órgãos de comunicação social.



Secretariado B E - Portimão

JORNADAS AUTÁRQUICAS





Programa das Jornadas Autárquicas


CLICA:


programa ...pdf (918,6 KB)




segunda-feira, 19 de novembro de 2007

JANTAR DO BE PORTIMÃO

Ementa: Lombo Assado, Sopa, Vinho, Sumos, Sobremesa, Café.
Preço: 12,00 € por Pessoa.




Ingredientes Políticos:
· Será feito um balanço de 2 anos de mandato autárquico.
· Serão apresentadas as principais linhas de actuação do Bloco no Concelho.
· Será apresentada a recém eleita Comissão Coordenadora Concelhia do B E Portimão.
· Este jantar contará com a presença da Deputada Ana Drago que fará uma intervenção sobre a situação política nacional.


Vem ao Jantar e traz outros amigos também!
Inscreve-te Já!

À atenção da comunicação social

Assunto: Dois anos de balanço de intervenção autárquica em Portimão e o problema do encerramento da Ponte sobre o rio Arade

A Concelhia do Bloco de Esquerda de Portimão vai realizar um “Jantar de Confraternização e Luta”, no Restaurante “Chico Maria”, na Aldeia do Carrasco, em Portimão, no próximo dia 24 de Novembro de 2007, pelas 20.00 horas.
Neste jantar, será feito um balanço de 2 anos de intervenção autárquica do Bloco no Concelho de Portimão, assim como um balanço autárquico, extremamente negativo, das políticas da maioria absoluta do Partido Socialista que, em conjunto com as políticas anti-nacionais do Governo Sócrates conduziram ao agravamento das dificuldades e das condições de vida dos cidadãos Portimonenses.
Serão igualmente apresentadas as principais linhas de actuação bloquista no Concelho para os próximos 2 anos de mandato, com destaque para a defesa e preservação do ambiente e qualidade de vida (Ria de Alvor, reabilitação urbana e recusa de mais betonização), a defesa e implementação de medidas sociais (combate à pobreza e ao desemprego, aposta na habitação social), e a luta intransigente pela transparência e contra a corrupção. Serão ainda apresentadas algumas acções que o Bloco de Esquerda levará a efeito, muito brevemente, sobre o encerramento da ponte metálica sobre o rio Arade e que está a causar graves transtornos às populações de Portimão e Lagoa.
No jantar será apresentada a recém eleita Comissão Coordenadora Concelhia do B E de Portimão. Estará presente ainda a Deputada Ana Drago, que fará uma intervenção sobre a situação política nacional.
Desde já se endereça convite aos órgãos de comunicação social para estarem presentes neste evento do Bloco de Esquerda.

O Secretariado

domingo, 18 de novembro de 2007

A “Greve Geral Revolucionária” de 1934


A “Greve Geral Revolucionária” de 1934
em Silves e Portimão
e os “safanões dados a tempo” por Salazar

João Vasconcelos ([*])


Resumo

A chamada «greve geral revolucionária», como ficou conhecido o movimento de resistência operária ao emergente “Estado Novo” de Salazar, que teve lugar no dia 18 de Janeiro de 1934, vai eclodir um pouco por todo o país, com destaque para as localidades da Marinha Grande, Leiria, Coimbra, Almada, Barreiro, Lisboa, Vila Boim, Sines, Póvoa de Santa Iria, Silves e Portimão. Este movimento, conduzido por uma Frente Única Operária, composta pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), de cariz anarco-sindicalista, pela Comissão Inter-Sindical (CIS), de índole comunista e pela Federação das Associações Operárias (FAO), socialista, filiadas em organizações sindicais internacionais, vai envolver acções de vários tipos.
Efectivamente, registaram-se descarrilamentos de comboios, troca de tiros e lançamento de bombas, cortes de linhas telefónicas e telegráficas, sabotagem dos transformadores de uma central eléctrica, manifestações e greves operárias como nas cidades algarvias de Silves e de Portimão.
Na Marinha Grande a situação é mais espectacular atingindo características insurreccionais – os revoltosos, armados com caçadeiras, revólveres, pistolas e bombas, atacam à bomba o Posto da GNR desarmando os soldados desta corporação e ocupam a Vila por algum tempo. Mais acções estavam para acontecer, mas não se verificaram. Por pouco Silves não se transformou numa segunda Marinha Grande.
A projectada greve geral foi reduzidíssima a nível nacional. Salazar, sem grandes dificuldades, consegue restabelecer a ordem em pouco tempo. A repressão foi violentíssima, cujo expoente máximo foi a punição implacável de muitos revoltosos no campo de concentração do Tarrafal – eram os salazaristas “safanões dados a tempo”.

1. A eclosão do 18 de Janeiro

A chamada «greve geral revolucionária», como ficou conhecido o movimento, vai eclodir apenas na Marinha Grande, Leiria, Coimbra, Almada, Cova da Piedade, Barreiro, Lisboa, Cacém, Vila Boim, Sines, Martingança, Póvoa de Santa Iria, Silves e Algoz. Este movimento, conduzido por uma Frente Única, composta pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), Comissão Inter – Sindical (CIS), Federação das Associações Operárias (FAO), Comissão dos Sindicatos Autónomos e pela Comissão dos Trabalhadores do Estado, as três primeiras filiadas em organizações sindicais internacionais
[1], vai envolver acções de vários tipos.
Tiveram lugar descarrilamentos de comboios em Braga e Póvoa de Santa Iria, este efectuado por comunistas, interrompendo as comunicações nas linhas do Norte e Leste; em Coimbra, os anarquistas fizeram explodir os transformadores de corrente da central eléctrica, levando à paralisia dos transportes públicos e ficando a cidade às escuras; verifica-se a sabotagem da via férrea próximo de Algoz; uma bomba explode na linha férrea, próximo da estação de Martingança; uma bomba é lançada no Barreiro provocando alguns feridos ligeiros; outras duas bombas são lançadas contra um comboio, em Benfica; ocorrem cortes de linhas telefónicas e telegráficas em Leiria, Marinha Grande, Cacém, Almada, Vila Boim e Silves; verificam-se confrontos e troca de tiros entre operários armados de bombas que queriam assaltar uma fábrica de pólvora, e as forças policiais, em Chelas e Xabregas, com lançamento de uma bomba; há manifestações de operários e greves no Barreiro, Sines, Almada, Silves, Seixal, Alfeite, Cacilhas, Setúbal e Portimão; na Marinha Grande a situação é mais espectacular atingindo características insurreccionais – os revoltosos, armados com caçadeiras, revólveres, pistolas e bombas, cortam as comunicações com Leiria, bloqueiam as vias de acesso, atacam à bomba o Posto da GNR desarmando os soldados desta corporação, ocupam a Estação dos Correios e Telégrafos, reabrem o Sindicato Vidreiro e ocupam a Vila por algum tempo
[2]. Mais acções estavam para acontecer, mas não se verificaram.
A projectada greve geral foi reduzidíssima a nível nacional. Mesmo no que diz respeito a confrontos violentos, sabotagens, atentados e ocupações, ficaram muito aquém do que fora planeado. Salazar, sem grandes dificuldades, consegue restabelecer a ordem em pouco tempo. Como alguns previram, não havia condições em Portugal para desencadear um movimento de características operárias insurreccionais contra o «Estado Novo». A excepção foi a Marinha Grande, não obstante as grandes limitações e dificuldades ali sentidas. Caso os operários armados, cujos principais dirigentes eram comunistas, não tivessem ocupado a Vila, mesmo por um brevíssimo período de tempo, o «18 de Janeiro de 1934» não teria sido porventura aquilo que foi, circulando e perdendo-se por entre as veracidades da História e as brumas do Mito.

2. As Acções em Silves

Silves nos inícios dos anos 30 continuava a ser um importante centro corticeiro, contando com cerca de 10 000 habitantes. Funcionava desde o início do século XIX como uma espécie de entreposto comercial da cortiça alentejana, incrementando «uma corrente de exportação que, passando por S. Marcos, chega a Silves donde sai, rio abaixo até ao mar, para outras paragens onde vai ser transformada». É o comércio de cortiça bruta que, se não cria postos de trabalho, nem fixa as populações, «(...) chama as atenções para a cidade e atrás da cortiça vêm os industriais dela»
[3].
Assim vai surgir a indústria corticeira que encontra terreno propício, tanto na região produtora da matéria-prima (Serra e Baixo Alentejo), como na facilidade do seu escoamento através do rio Arade e na existência de uma mão-de-obra rural disponível e barata. Devido à especificidade desta indústria corticeira, com vista à exportação de produtos manufacturados, levou a que em Silves se implantasse um número reduzido de grandes fábricas para esse fim, reunindo-se em seu torno pequenas fábricas de tipo familiar, sem grande capacidade de laboração e de exportação
[4]. Nos finais do século XIX, Silves tinha 11 fábricas, um dos maiores centros industriais do Algarve, «com mais de 1 000 operários e aprendizes, só a fábrica «Vilarinho e Sobrinho» possuindo cerca de 600»[5]. Operários especializados vindos da Catalunha trouxeram algumas inovações técnicas que ensinaram aos operários de Silves, transmitindo-lhes também, muito provavelmente, as ideias anarquistas.
Se, em 1917, o concelho possuía 13 fábricas de cortiça com 503 pessoas, (75,9% do total de operários), em 1930 as fábricas deste sector já ascendiam a 37, empregando 651 operários, (54,8% de corticeiros), num total geral de 1189 indivíduos, abrangendo outras actividades industriais
[6]. Apesar da percentagem de operários corticeiros ter descido, por força da diversificação industrial, estes constituíam nos inícios dos anos 30, um forte núcleo proletário. A crise económica e social que se abate impiedosamente sobre Silves e sobre todo o Algarve, provocando no concelho para cima de três centenas de despedimentos, leva a que, em Janeiro de 1934, o número de empresas corticeiras diminua para 23, empregando 880 operários[7]. A crise de trabalho e a miséria eram tamanhas entre os trabalhadores, que as próprias autoridades municipais solicitavam à Divisão Hidráulica do Guadiana, a realização de obras de limpeza no rio Arade, ribeiras e valas, por forma a ocupar os homens desempregados[8]. Por outro lado, havia o receio de um despoletar da conflitualidade social.
Os corticeiros silvenses possuíam, desde longa dada, uma tradição de luta e resistência contra as más condições de vida, os baixos salários, as longas jornadas de trabalho, contra a exportação de cortiça em bruto ou em prancha, contra o patronato e as forças policiais. Desde 1886 que existia a Associação de Classe dos Operários Corticeiros de Silves, durante muito tempo a única na zona. Mais tarde vão surgir outros sindicatos – Construção Civil, Empregados no Comércio e Indústria, Carroceiros, Manufactores de Calçado e Trabalhadores Rurais
[9]. A classe corticeira era a classe profissional maior e melhor organizada. Em 1921, a sua Associação de Classe decide inscrever no frontispício do 2.º andar da sua sede as palavras «Pão, Luz e Liberdade», onde «mais do que uma divisa, era uma bandeira, um programa de acção que caracterizou quarenta anos de actividade sindical»[10].
O proletariado de Silves adere à greve geral convocada pela União Operária Nacional, em 1918 contra a carestia e a falta de pão, e em 1920, 1924 e 1925 por aumentos salariais. Particular impacto teve a greve de 1924, não só em Silves como por todo o Algarve, devido ao seu carácter prolongado de dois meses e à repressão levada a cabo pela Guarda Republicana, que provocou vários feridos e um morto, desencadeando uma greve geral no dia seguinte
[11]. O sentimento de revolta e emoção que se seguiu, faz surgir ainda no ano de 1924 dois grupos anarquistas – o Grupo Libertário “Mártires 22 de Junho”, em Silves e o Grupo Libertário “Os Unificadores”, em S. Bartolomeu de Messines[12]. O anarquismo encontrou assim terreno propício em centros operários como Silves e Messines, permanecendo como ideologia dominante nos meios operários até final dos anos 20.
A situação vai alterar-se com a reorganização comunista de 1929, crescendo a influência do PCP. No início dos anos 30, difundem-se O Proletário, O Reduto, órgão da poderosa Federação dos Transportes sob a direcção de José de Sousa, o Avante! e o boletim O Trabalho Sindical, este último determinando a organização de Grupos de Defesa Sindical em diversos sectores, como os corticeiros, no Distrito de Faro
[13]. É assim que, no ano de 1933, se forma o Comité Revolucionário de Silves, com a participação conjunta de anarquistas e comunistas, com vista à preparação do “18 de Janeiro de 1934”. A Associação Corticeira, recusando os Decretos corporativos dos «sindicatos-nacionais», decide em Assembleia Geral de 30 de Dezembro de 1933, conforme já referimos, a sua extinção, nomeando uma comissão liquidatária[14] para proceder à oferta do mobiliário e biblioteca à Cooperativa «A Compensadora», conseguindo ainda fazer a transferência dos seus fundos para a Federação Corticeira sediada em Almada.
O Comité Revolucionário de Silves, tendo à sua frente o comunista José Gonçalves Victor e o anarquista Virgílio Barroso, mantinha ligações com a cidade de Lisboa, pois daqui iria receber a senha para dar início ao movimento grevista. O Comité, formado entre outros, por Domingos Passarinho, Manuel Pessanha e Abatino Luiz da Rocha, também tinha por função a coordenação de dois grupos de acção – um de comunistas e outro de anarquistas, embora se verificasse uma colaboração entre si na distribuição de propaganda, de acordo com o que nos diz Francisco Nicolau, um dos participantes no 18 de Janeiro, em entrevista a Fernando Fitas
[15].
Na cidade de Silves, os operários e os seus dirigentes, quer anarco-sindicalistas, quer comunistas, vão actuar em unidade contra Salazar, embora tenham dois centros de organização distintos. Na noite de 17, tanto uns como outros reúnem-se no campo, a coberto das árvores, munidos de pistolas e bombas (a concepção anarquista fazia-se sentir fortemente entre os comunistas), daqui partindo vários elementos que cortaram os fios telefónicos. Outros, na manhã de 18, assaltaram e abriram a sede da antiga Associação Corticeira que fora encerrada a mando das autoridades. O plano decorria conforme planeado, tanto mais que a senha não fora quebrada: como o comboio correio não chegou à Estação de Silves às 7 horas, significava que os ferroviários tinham aderido à paralização e que a revolução eclodira em Lisboa. Ocupado o edifício da Associação de Classe dos Corticeiros, preparavam-se os revoltosos para atacar o quartel da Guarda Nacional Republicana, quando chegou a notícia que o comboio tinha chegado à Estação
[16]. Efectivamente o comboio chegou com bastante atraso, fazendo gorar todo o plano posterior.
Se o plano insurreccional, nomeadamente o ataque à GNR, falhou, o mesmo não se pode dizer da greve, que foi geral entre os operários corticeiros. Diversos dirigentes grevistas, como o anarquista Manuel Pessanha, andaram pela cidade a apelar à greve, levando até os estabelecimentos comerciais a encerrar as suas portas. Teria ainda Manuel Pessanha provocado «manifestações subversivas, hasteando uma bandeira comunista na sede da Associação dos Corticeiros»
[17], depois de arrombada a porta desta. Muito dificilmente um anarquista iria hastear uma bandeira comunista no sindicato, o mais provável é que se tratasse da bandeira da própria Associação Corticeira. A P. V. D. E. via comunistas e símbolos comunistas por toda a parte. Era a ideologia que começava a afirmar-se nos meios operários e a substituir a influência do anarco-sindicalismo no seu seio – daí o combate do regime Salazarista, cada vez mais feroz, ao Partido Comunista. O que não aligeirou, diga-se, a repressão contra o anarquismo declinante.
Apesar da Silves operária ter aderido à greve geral de forma pacífica
[18], (como preconizava a linha oficial do PCP afecta a Bento Gonçalves), sem o recurso a acções violentas, excepto o derrube dos postos telegráficos e telefónicos e o assalto à sede da Associação Corticeira, muitos outros actos de cariz violento estavam para eclodir, com o recurso a bombas e a outros meios ofensivos, como aliás, também se previam actos desta natureza noutras localidades do Algarve[19]. E, de um modo geral, os comunistas encontravam-se inseridos nas concepções de luta anarquistas.

3. O Movimento em Portimão

A cidade de Portimão, um importante centro operário conserveiro e piscatório também teve uma participação notável no 18 de Janeiro de 1934. Aqui existia uma União de Sindicatos, compreendendo os Sindicatos Operários da Indústria de Conservas, da Indústria da Construção Civil, da Indústria do Calçado, dos Carpinteiros Navais, dos Chaffeurs Marítimos, dos Estivadores, dos Fragateiros, o Sindicato Único Metalúrgico e a Associação de Classe dos Operários Corticeiros
[20].
Em Portimão foi constituído um Comité Revolucionário, tal como sucedeu noutras localidades do Algarve. A formação deste Comité surgiu na reunião realizada na oficina do sapateiro José Mendes do Carmo, com a presença do anarquista José Negrão Buízel. A directiva para a constituição destes Comités teria partido do dirigente máximo da CGT, Mário Castelhano que, nos meses de Novembro e Dezembro de 1933 participou em várias reuniões na região algarvia, incluindo uma na Praia da Rocha
[21].
No dia 18 de Janeiro milhares de operários e outros Portimonenses foram para a rua manifestar-se contra o encerramento dos sindicatos livres e a criação dos “sindicatos nacionais” fascistas. Esta enorme manifestação ocorreu no Largo do Coreto, nela participando operárias conserveiras que lutavam contra o encerramento do Sindicato das Conserveiras, pescadores que estavam em luta contra o encerramento da Mútua dos pescadores, operários agrícolas do Morgado do Fialho e de outros latifúndios, que lutavam contra o encerramento do Sindicato dos Operários Agrícolas. A GNR, tendo à sua frente o Capitão Quintino, reprimiu ferozmente a manifestação, batendo nas pessoas e atirando contra elas os cavalos que as esmagavam. Horrorizados, os manifestantes debandaram, muitos outros ficaram feridos ou foram presos, muitos deles sindicalistas e do Comité Local do Partido Comunista
[22].

4. A Repressão Salazarista

O desfecho da «Greve Geral Revolucionária» foi desastroso para o movimento operário. Centenas, senão milhares de activistas e militantes comunistas, anarquistas e até socialistas, republicanos e outros
[23], vão sofrer com o desaire do movimento de 18 de Janeiro de 1934. Reforça-se a repressão do regime Salazarista, na forma de perseguições, prisões, torturas, deportações, mortes. Eram os «safanões dados a tempo» por Salazar.
Muitos dos participantes no 18 de Janeiro são assim atirados para os temíveis presídios do Salazarismo, como os Fortes de Caxias, Peniche e S. João Baptista, em Angra do Heroísmo, e para sinistros campos de concentração, autênticos campos da morte bem longe da Metrópole – Forte Roçadas e Vila Nova de Seles em Angola, Fortaleza de S. Sebastião na Ilha de Moçambique, Oecussi em Timor, Tarrafal em Cabo – Verde. Em 23 de Abril de 1936, pelo Decreto-lei n.º 26 539, é criada uma Colónia Penal, ou melhor dizendo, um campo de concentração, no lugar do Tarrafal, na Ilha de Santiago, Arquipélago de Cabo – Verde, cujo objectivo era a punição de forma implacável dos presos que se opunham a Salazar. No dia 29 de Outubro do mesmo ano, chegam ao “Campo da Morte Lenta” os primeiros 152 presos
[24], levados dos presídios de Peniche, Aljube, Caxias, Penitenciária de Lisboa e de Angra do Heroísmo. Entre os prisioneiros encontravam-se Mário Castelhano e Bento Gonçalves, dirigentes máximos da CGT e do PCP, respectivamente, que acabaram por perecer no Tarrafal, vítimas dos maus tratos e da doença.
A repressão que se abateu sobre aqueles que prepararam e participaram no 18 de Janeiro, foi violentíssima. Condenados pelo Tribunal Militar Especial, as sentenças atingiram várias centenas de anos de prisão, deportação e degredo nas colónias e pesadas multas. As torturas, os espancamentos, os maus tratos físicos e psicológicos também foram constantes, de que resultaram várias mortes. De acordo com as investigações realizadas por Fátima Patriarca, as localidades que apresentam um maior número de detidos são: Lisboa (227), Marinha Grande (122), Coimbra/Anadia (83), Barreiro (41), Almada (37), Silves (35), Portimão (19)
[25], Leiria (18) e Sines (14). Na totalidade foram presos 696 indivíduos ligados à greve geral revolucionária. Destes, são enviados ao Tribunal Militar Especial 435[26], sendo condenados a grande maioria – 260 grevistas. Deste número, 107 recebem penas de prisão correccional até dois anos, em que as mais elevadas são acompanhadas por pequenas multas pecuniárias e perda de direitos políticos por cinco anos, 89 são condenados a penas que variam entre três e oito anos, a que se junta o degredo ou desterro, com ou sem prisão e pesadas multas, e 64 elementos são condenados a pesadíssimas penas – degredo ou desterro, quase sempre com prisão, entre os dez e os vinte anos e multas de vinte contos[27]. Estão neste último caso os principais dirigentes e responsáveis políticos e os militantes e operacionais que prepararam e participaram no 18 de Janeiro, onde se incluem António Estrela, comunista, e Virgílio Pires Barroso, anarquista, principais responsáveis de Silves.
Durante quase duas décadas, passaram pelo Tarrafal 354 homens, ali perecendo 32, muitos ligados ao 18 de Janeiro, como Mário Castelhano e Bento Gonçalves. Muitos outros viriam a falecer prematuramente, vítimas dos maus tratos e das doenças contraídas. O Tarrafal para presos políticos, idos da Metrópole, vem a terminar no dia 26 de Janeiro de 1954
[28], mas continuou até 1974 para os presos políticos das colónias africanas que lutavam contra o colonialismo português.
As condições do Campo que os presos tinham de suportar eram terríveis: sob a acção da chuva, do sol, da humidade, alimentação insuficiente e intragável, a água inquinada, condições sanitárias péssimas, pragas de mosquitos, doenças como a mortal biliosa, as infecções intestinais e o paludismo, escassez de medicamentos, torturas e tratamentos cruéis e desumanos, a horrível «Frigideira»
[29], a famigerada «Brigada Brava»[30], – tudo isto suportaram alguns homens do 18 de Janeiro. Salazar procurou assim, reduzir ao silêncio mais completo, estes defensores enérgicos da liberdade.
Os 152 presos desembarcados no Tarrafal vão ficar alojados durante cerca de três anos em barracas de lona que, devido à acção do sol e da chuva depressa apodrecem, contribuindo para arruinar a sua saúde. Os ventos que sopravam continuamente partiam os ferros frágeis, a poeira cobria as barracas e os corpos, não havia água, muitos tectos voavam, os presos suportavam as chuvas violentas, as doenças apareciam, não havia médico, nem enfermeiro, nem medicamentos. Os presos começavam a morrer, para contentamento do director do Campo, Manuel dos Reis (que declarava que quem viesse para o Tarrafal vinha para morrer) e do “médico”-carcereiro Esmeraldo Pais Pratas, o sinistro “Tralheira” (que afirmava que não estava ali para curar, mas para assinar certidões de óbito).
A época mais terrível era a do fim das chuvas, no final de Outubro, que infundia um verdadeiro terror em todo o Campo – era o período das biliosas, que se seguia ao período crítico do paludismo (altíssimas febres frias e quentes). Aqueles que escapavam às febres do mosquito, ou seja, ao paludismo, raramente sobreviviam à biliosa. Foi o que matou o Secretário-Geral do Partido Comunista e o Secretário-Geral da Confederação Geral do Trabalho. A morte traiçoeira acabou por vencer os insurrectos do «18 de Janeiro» (e muitos outros), com a cumplicidade criminosa do carcereiro do Campo, Esmeraldo Pais Pratas, que possuía um diploma de médico. Gilberto de Oliveira, militante das Juventudes Comunistas nos anos 30, ao fazer o seu depoimento sobre o «Campo da Morte Lenta», em Memória Viva do Tarrafal, define-o como «meio ambiente para a morte natural de opositores políticos», em que o «assassínio e a tortura» eram «legalizados»
[31].
Para quem ainda tenha dúvidas, encontra-se assim desfeito o mito dos «safanões dados a tempo» pelo tirano de Santa Comba, aquele que alguns consideram como o «grande português do século XX». Certamente que muitas pessoas de bem, anti-fascistas e lutadores pela liberdade, onde se incluem diversos silvenses e portimonenses participantes ou simpatizantes do 18 de Janeiro de 1934, que sofreram na pele, na carne e no pensamento as agruras das grilhetas salazaristas, terão dito e dirão para sempre que Oliveira Salazar foi «o maior bandido de Portugal do século XX».
Muito obrigado pela vossa atenção.

Bibliografia

Sobre a principal bibliografia consultada, vide notas deste trabalho.

Observação: Comunicação feita no 13º Congresso do Algarve, no Centro Cultural de Lagos, no dia 16 de Novembro de 2007.

([*] ) Professor, Mestre em História Contemporânea. Presentemente investiga o movimento operário no Algarve durante o período da Ditadura Militar (1926 – 1934).
Notas:
[1] A C. G. T. de tendência anarco-sindicalista, estava filiada na Associação Internacional dos Trabalhadores (A. I. T.), conhecida por «Internacional de Berlim», fundada em 1922. A C. G. T. juntamente com a C. N. T. de Espanha, era uma das principais secções da Internacional Anarquista. A C. I. S. era aderente à Internacional Sindical Vermelha (I. S. V.), comunista, com sede em Moscovo, fundada em 1921, enquanto a F. A. O., de tendência social-reformista, encontrava-se ligada à Federação Sindical Internacional de Amsterdão, ou «Internacional de Amsterdão», fundada em 1919, secção da II Internacional, social-democrata (ver A. Schapiro, As Três Internacionais Sindicais – Amsterdão, Moscovo, Berlim, Lisboa, Editorial de «A Batalha», 1925, 35 págs.).
[2] Cf. Maria Filomena Mónica, «Poder e saber: os vidreiros da Marinha Grande», in Análise Social, Lisboa, 3.ª e 4.ª Série, Vol. XVII, n.º 67-68, 1981, p. 555; Fátima Patriarca, o 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande, s. l., Edição Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, 1997, pp. 9-17; Idem, Sindicatos contra Salazar. A revolta do 18 de Janeiro de 1934, Lisboa, Edição do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2000, p. 233-235.
[3] Cf. Maria das Dores Jorge de Goes, Silves Naquele tempo... e agora (1956 – 1997), Silves, Câmara Municipal de Silves, 1998, p. 15.
V. Manuel Castelo Ramos, «Da Produção de Cortiça à Indústria: em Silves», in Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês. Exposição Permanente. Estudos. Catálogo, Silves, Fábrica do Inglês, 1999, pp. 49-58.
[4] V. João José Ferreira, «A cidade de Silves e a relação com o campo. Condicionalismos e perspectivas», in I Jornadas de Silves, Actas, Silves, Associação de Estudos e Defesa do Património Histórico – Cultural de Silves (AEDPHCS), 1993, p. 129.
[5] Cf. José Tengarinha, «Os trabalhadores industriais do Algarve nos séculos XIX – XX», in Maria da Graça Maia Marques (coord. de), O Algarve da Antiguidade aos Nossos Dias, Lisboa, Edições Colibri, 1999, p. 467.
[6] Cf. João Madeira, «Silves e o movimento operário», ibidem, p. 469.
[7] V. Fátima Patriarca, Sindicatos contra Salazar..., cit., pp. 425-426.
Como se verifica, os dados apresentados por esta investigadora, diferem daqueles que nos são fornecidos por João Madeira. Caso se considere o número de «1189 empregados» como trabalhadores corticeiros, assim os dados já são mais aproximados.
[8] Cf. Arquivo Municipal de Silves, Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Silves, in Cx. de Minutas de Actas de 1932-34, Minuta de Acta n.º 4, sessão ordinária de 21 de Fevereiro de 1934. O ofício à Divisão Hidráulica do Guadiana conclui da seguinte forma: «Solicitar ao Exmo. Governador Civil do distrito o seu valioso patrocínio para a execução destas obras que muito atenuarão a crise de trabalho que apoquenta este Concelho».
[9] José dos Reis Sequeira, Relembrando e Comentando (Memórias de um Operário Corticeiro) 1914/1938, Lisboa, A Regra do Jogo, 1978, pp. 29 e 35. A data da fundação da Associação dos Corticeiros varia segundo algumas fontes. Se José dos Reis Sequeira aponta o ano de 1886, já o artigo «Pão, Luz e Liberdade. O 38º aniversário dos corticeiros de Silves», in O Proletário, n.º 5, de 30 de Junho de 1929, indica 1891. Por sua vez, em «40º aniversário da Associação de Classe Corticeira», in Voz do Sul, Silves, n.º 772, de 26 de Agosto de 1933, menciona o ano de 1893.
[10] Cf. João Madeira, «Silves, os Corticeiros e a sua Associação de Classe – “Pão, Luz e Liberdade», in IV Jornadas de Silves, Actas, Silves, AEDPHCS, 1997, p. 188.
[11] Sobre a greve, a onda de solidariedade operária e os acontecimentos sangrentos de Junho de 1924 em Silves, veja-se José dos Reis Sequeira, op. cit., pp. 59-66.
[12] João Madeira, «Silves, os Corticeiros e a sua Associação de Classe...», op. cit., p. 188.
[13] Ibidem, p. 189. Idem, «O Partido Comunista no Algarve (dos anos vinte ao final da II Guerra Mundial), in Maria da Graça Maia Marques (coord. de), op. cit., pp. 497-499.
As próprias autoridades nesta época, aludem frequentemente à influência das ideias comunistas nas localidades operárias, como Silves, antes e por altura dos acontecimentos do “18 de Janeiro de 1934”. O Governador Civil de Faro, em ofício ao Ministro do Interior, em 1931, indica que, «(...) só a propaganda comunista se tem intensificado, nos meios operários (...)» (cf. ADF/Governo Civil de Faro, Correspondência Confidencial..., cit., Livro 255 A, Ofício ao Ministro do Interior, n.º 78, de 11 de Maio de 1931).
[14] A Comissão Liquidatária foi constituída por Domingos Passarinho, Joaquim Rodrigues, Daniel Pincho e Francisco Álvares Marques, estes dois últimos secretário e tesoureiro da Direcção (João José Ferreira, op. cit., p. 130).
[15] Cf. Fernando Fitas, «Em Silves também houve 18 de Janeiro», depoimento de Francisco Nicolau, in Notícias do Sul, Évora, ano I, n.º 18, de 3 de Fevereiro de 1977, p. 8.
[16] Ibidem. Veja-se também Alfredo Canana, «O 18 de Janeiro de Silves», in Diário de Lisboa, de 5 de Janeiro de 1980, p. 9. Caso o comboio chegasse com mais alguns minutos de atraso e os revoltosos teriam empreendido o assalto ao quartel da GNR, podendo vir a constituir Silves uma 2.ª Marinha Grande.
[17] Cf. ANTT/PIDE-DGS, «Biografia Prisional de Manuel Pessanha», Proc. R. G. P. – 160, fl. 1.
[18] Tendo em conta as investigações de Fátima Patriarca, os operários corticeiros de Silves paralisaram totalmente a 18 de Janeiro, de forma parcial a 19, voltando a fazê-lo massivamente nos dias 20 e 21. No dia 22, são os patrões que, por ordens do governo encerram todas as fábricas durante 21 dias, impedindo os operários de comparecerem ao trabalho. A reabertura das fábricas com a consequente readmissão dos corticeiros, só foi conseguida depois de diversas solicitações do patronato junto das autoridades e após a prisão dos principais cabecilhas da greve, como o anarquista Virgílio Pires Barroso (cf. Fátima Patriarca, Sindicatos contra Salazar..., cit., pp. 438-455).
[19] Veja-se por exemplo o artigo «Inimigos da Pátria. Os manejos extremistas no Algarve», in Correio do Sul, Faro, ano XV, n.º 881, de 4 de Fevereiro de 1934, p. 2, em que noticia a prisão de vários elementos pertencentes aos comités revolucionários de Tavira, Vila Real de Santo António e Castro Marim, e a apreensão de diverso material, «que constava de 34 bombas de choque, vindas de Lisboa, em 2 malas, e encontradas em Castro Marim e Vila Real».
[20] Maria João Raminhos Duarte, Portimão Industriais Conserveiros na 1ª Metade do Século XX, Lisboa, Edições Colibri, 2003, p. 107.
[21] João Madeira, «A greve geral de 1934 no Algarve», cit., p. 528.
[22] Margarida Tengarrinha, «Entrevistas conduzidas por Miguel Medina», in Esboços. Antifascistas Relatam as suas Experiências nas Prisões do Fascismo, Lisboa, Edição da Câmara Municipal de Lisboa, 1999, p. 141.
[23] No Processo n.º 27/A-34, Arquivo PIDE/DGS, ANTT, fls. 2-11, encontramos uma «Relação dos Presos Enviados ao Tribunal Militar Especial em 1934», por terem participado no movimento de 18 de Janeiro. Enviados pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), de vários pontos do país: Faro, Portimão, Silves, Coimbra, Setúbal, Porto, Lisboa e outros locais, em que muitos deles vão parar ao Tarrafal. Ao todo são 435 presos, onde se incluem 36 militares (cujo processo foi enviado ao Ministério da Guerra) assim distribuídos: 3 capitães, 1 tenente, 1 furriel, 14 primeiros sargentos, 12 segundos sargentos, 3 sargentos ajudantes, 1 primeiro cabo e 1 soldado.
[24] Os primeiros ocupantes do Campo do Tarrafal eram os seguintes: cerca de 35 marinheiros da revolta de 8 de Setembro de 1936, cerca de 60 presos que se encontravam nas prisões de Lisboa, Porto, Coimbra, etc, cerca de outros 40 presos do presídio de Angra do Heroísmo, e à volta de uns 20 outros elementos heterogéneos, entre os quais se encontravam alguns portugueses radicados na Galiza e repatriados pelos nacionalistas espanhóis (cf. Gilberto de Oliveira, Memória Viva do Tarrafal, Lisboa, Edições Avante!, 1987, p. 70).
[25] Curiosamente, Fátima Patriarca não menciona os detidos de Portimão, o que de acordo com o Processo n.º 27/A – 934, cit., Arquivo PIDE/DGS, fls. 63 e 64, são em número de 19. No fl. 63, em ofício datado de 14 de Março de 1934 e enviado ao Presidente do Tribunal Militar Especial de Lisboa, da parte da Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado, desta cidade, é remetido o processo organizado pela Polícia de Faro em que constam os nomes de diversos elementos detidos na prisão do Governo Civil e à disposição do referido Tribunal. Esses elementos são os seguintes: José Negrão Buísel, José Mateus da Graça, Joaquim Pedro, Abundancio José, Manuel d’Arez, Artur da Silva, o “Nicho”, Gregório da Purificação ou Gregório Rita, António Rodrigues, Manuel Dias Pereira, José Mendes do Carmo e Manuel Marques.
No fl. 64, um outro ofício, datado de 17 de Março e também da PVDE de Lisboa, enviado ao T. M. E., remete o processo de mais alguns presos, organizado igualmente pela Polícia de Faro, detidos na 1.ª Esquadra da P. S. P. de Lisboa e que são: José d’Oliveira Calvário Júnior, António do Carmo Carrasco ou António Catarino, António José dos Santos, o “Galaraz”, Francisco António da Luz, Abílio da Silva, Francisco Diogo, o “Chico Miúdo”, Francisco da Glória Perrólas e José Dantas.
Todos estes presos fazem parte do Processo n.º 27/A – 934, cit., fl. 7, organizado pela PVDE – relação dos presos enviados ao T. M. E. em 1934 – num total de 435 elementos, «incriminados por terem tomado parte activa no último movimento revolucionário de 18/1/34».
Segundo entrevista realizada em Portimão, no dia 14 de Maio de 2002, a José Marques (nascido em 16/06/15 e residindo nesta cidade na altura do 18 de Janeiro), filho do detido Manuel Marques, confirma-nos o mesmo que todos os elementos acima mencionados eram efectivamente de Portimão. José Marques recordou-nos ainda algumas das suas profissões: José Mateus da Graça, trabalhador da fábrica de gasosas, Abundancio José, carpinteiro (criador de uma biblioteca popular), Artur da Silva, conhecido pelo “Nicho” e Gregório da Purificação, trabalhadores na Litografia da Fábrica Fialho, José Mendes do Carmo, sapateiro, Manuel Marques, António Rodrigues e Manuel d’Arez, operários conserveiros, António Catarino, estivador e António José dos Santos, conhecido por “Galaraz”, tipógrafo.
O entrevistado José Marques confirmou-nos ainda que seu pai, Manuel Marques, era na altura do 18 de Janeiro já adepto das ideias comunistas e não ligado à C. G. T., conforme afirma Fátima Patriarca em Sindicatos contra Salazar..., cit., p. 518. Condenado, acabou por ir parar à Fortaleza de Peniche, de onde saiu em Outubro de 1935.
[26] Enquanto Fátima Patriarca menciona o número de 417 elementos enviados ao Tribunal Militar Especial, no Processo n.º 27/A – 934, cit., fls. 2-11, encontram-se, conforme já referimos, os nomes de 435 indivíduos, 36 dos quais enviados ao Ministério da Guerra por serem militares.
[27] Cf. Fátima Patriarca, Sindicatos contra Salazar..., cit., pp. 458-459.
[28] O último preso político português a sair do Tarrafal foi o dirigente comunista Francisco Miguel, precisamente no dia 26 de Janeiro de 1954, depois de ali ter permanecido pela segunda vez durante 3 anos, sozinho nos últimos seis meses (v. Francisco Miguel, Uma Vida na Revolução. Os Comunistas, Porto, A Opinião, 1977, p. 125).
[29] A «Frigideira» consistia num cubo de cimento, dividido em dois compartimentos, cada um com três passos de comprimento por dois de largura. Cada cela tinha uma porta de chapa de ferro com alguns pequenos orifícios em cima. Durante o dia, o ambiente no interior era abrasador e asfixiante, à noite gelava-se. O preso era ali encerrado descalço e num espaço exíguo que, mal dando para uma ou duas pessoas, por vezes eram mais de 10 presos. O único mobiliário era um caldeirão para as fezes e nem enxerga havia. Quando os presos pediam água, a mesma era fornecida a ferver. O alimento consistia em pão e água, por vezes durante mais de vinte dias e era nestas condições, de fraqueza extrema, que os presos ingressavam na «Brigada Brava» para trabalhos forçados (cf. Manuel Alpedrinha, «Sobreviventes do Tarrafal continuam a luta», in Alavanca, ano I, n.º 4, Julho de 1977, pp. 26-27 e Francisco Miguel, Das Prisões à Liberdade, cit., pp. 77-79).
[30] Os prisioneiros do Tarrafal encontravam-se sujeitos a todo o tipo de provocações, insultos, vexames, espancamentos e castigos, e eram obrigados a suportar verdadeiros trabalhos forçados, agrupados em brigadas de trabalho nas pedreiras, a transportar água para o campo e a abrir caminhos. A brigada mais célebre, foi a terrível «Brigada Brava», «uma diabólica criação do terceiro director do campo, o capitão João da Silva, ex-tirocinante nos campos de concentração nazis e futuro responsável pelo presídio de Caxias (...)». Os presos eram obrigados a cavar o dia todo em solos rochosos e cheios de pedras, debaixo de uma temperatura de 40 graus, sem poder levantar a cabeça por um instante, em dois turnos de quatro horas cada. Encontravam-se impedidos de beber água ou de urinar mais que uma vez em cada turno e até não podiam enxugar o suor. A pouco e pouco os elementos desta brigada regressavam ao campo em padiola ou nos braços dos companheiros e de manhã nem se podiam levantar, tão extenuados e doentes se encontravam (cf. Alberto Pedroso, «Os presídios do regime salazarista», in João Medina (dir. de), História de Portugal dos Tempos Pré-Históricos aos Nossos Dias, Vol. XIII – O «Estado Novo», Alfragide, Clube Internacional do Livro, 1998, pp. 54-56).
[31] Cf. Gilberto de Oliveira, Memória Viva do Tarrafal, Lisboa, Edições Avante!, 1987, pp. 95 e ss.

sábado, 17 de novembro de 2007

Basta de continuar a adiar a Regionalização.

Basta de continuar a adiar a Regionalização.
Exige-se mais acção e menos retórica!


João Vasconcelos ([*])


Resumo

O processo de Regionalização é uma inevitabilidade histórica, no contexto global em que vivemos, e são as populações que ficam a perder se o seu adiamento continuar a persistir. A Regionalização já existe em praticamente todos os países da Europa, sob múltiplas formas e configurações, sendo reconhecida pela União Europeia como pilar fundamental da construção da Paz e da Prosperidade Europeia.
O presente modelo que instituiu as Grandes Áreas Metropolitanas tem pouca eficácia, (a do Algarve não funciona), tratando-se de facto, de um travão à implementação da verdadeira e efectiva Regionalização.
Desde há muito que devia ter sido criada a Região Administrativa do Algarve. A Regionalização permite que as decisões sejam tomadas mais perto dos cidadãos e de forma mais rápida. Permite uma maior participação da cidadania e uma maior e melhor dinamização da economia regional, contribuindo para um desenvolvimento mais sustentável do Algarve, combatendo as assimetrias sociais, económicas, culturais e ambientais.
O PS e o PSD têm sido os principais responsáveis pela não implementação do processo de criação das Regiões Administrativas. O Referendo de 1998 já vai longe. Basta de continuar a adiar a Regionalização – exige-se daqueles que têm responsabilidade na matéria mais acção e menos retórica.


1. Considerandos históricos

A Regionalização do país, além de ser um imperativo constitucional, comporta alguns fundamentos históricos mais antigos, desmistificando todos aqueles que são contrários à implementação das Regiões Administrativas. Um dos argumentos utilizados pelos centralistas é que nunca houve entre nós uma tradição regionalista, mas única e exclusivamente uma tradição municipalista, o que não é verdade. Os seus argumentos, empíricos e falaciosos, esbarram nos factos históricos.
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Uma das principais conquistas da Revolução Liberal de 1820 foi sem dúvida a Constituição de 1822, promulgada pela Assembleia Constituinte e que promoveu uma reorganização territorial do país de carácter regional. De facto, o nosso primeiro texto constitucional apresentava as regiões na forma de Distritos, tendo à sua frente uma Administrador Geral, nomeado pelo Rei e auxiliado por uma Junta Administrativa, composta por igual número de membros conforme as Câmaras de Distrito, eleitos anualmente. Esta Junta electiva não era um mero órgão de retórica, pois tinha voto decisivo em assuntos da sua competência.
Mais tarde, durante a guerra civil que opôs frente a frente Liberais e Absolutistas, D. Pedro IV que estabeleceu o seu governo nos Açores, promulgou na cidade de Ponta Delgada, no dia 16 de Maio de 1832, o Despacho nº 23 que criava a Província como órgão administrativo. As Províncias, associando Concelhos com determinadas afinidades geográficas, sociais e económicas, foram oito – Trás-os-Montes, Minho, Douro, Beira Alta, Beira Baixa, Estremadura, Alentejo e Algarve. O Rei nomeava os Prefeitos que ficavam à frente das Províncias, funcionando junto de cada um uma Junta Geral de Província com competências para contrair empréstimos e promover as obras necessárias com vista aos melhoramentos das respectivas regiões provinciais.
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Com a implantação da República em 1910, os Distritos voltam a assumir as suas funções autárquicas que tinham sido perdidas nas convulsões da Monarquia Constitucional, estipulando a Constituição de 1911 a não ingerência do poder central no funcionamento das Autarquias, passando estas a ser eleitas por sufrágio directo a partir de 1913.
Convém assinalar que a tradição regionalista do país mergulha muito mais longe do que nos inícios do advento do Liberalismo, recuando quase até às raízes da nacionalidade. De facto, em 1299 o rei D. Dinis estabeleceu uma divisão do reino de tipo regional criando a Comarca, tendo à sua frente uma Corregedor, de nomeação régia, com funções administrativas, militares, policiais, judiciais e de desenvolvimento. Foram seis as Comarcas criadas – Entre Douro e Minho, Entre Douro e Mondego, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Odiana, e Moura e Serpa. Ainda durante a vigência da 1ª Dinastia operou-se uma nova reorganização das Comarcas – Trá-los Montes, Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, Entre Tejo e Odiana e Algarve.
No reinado de D. João III, entre 1530 e 1550, teve lugar uma nova reorganização territorial em que as comarcas passaram a ser designadas por Regiões ou Províncias, por sua vez subdivididas em Comarcas.
Durante o domínio Filipino e até ao Liberalismo assistiu-se a uma centralização do território, numa época em que o Absolutismo régio concentrava em si todos os poderes. A divisão territorial verificada passou a resultar de factores como a demografia, as acessibilidades, a hidrografia e a orografia, visando um maior controlo do poder régio.


2. Sagas e Peripécias de uma Regionalização há muito Anunciada

Com a Revolução de Abril a instituição das Regiões Administrativas ficaram consignadas na Constituição de 1976, aprovada por todas as forças partidárias de então, excepto o CDS. Ou seja, há 31 anos que a Regionalização Administrativa do Continente se encontra inscrita na nossa Lei Fundamental. A Regionalização há muito anunciada e prometida não se cumpriu.
Vejamos as suas sagas e peripécias na forma de um pequeno balanço. Nada de significativo se passou até ao ano de 1991 quando, finalmente, o 1º Ministro do governo PSD, Cavaco Silva, fez aprovar a Lei nº 56/91 referente à Lei Quadro das Regiões Administrativas, de certa maneira para calar as vozes da oposição e nas vésperas de novas eleições legislativas. Esta Lei acabou por confirmar o que já tinha sido acordado entre os dois principais partidos do sistema rotativo, PS e PSD, eliminando o artigo constitucional nº 261, relativo ao Conselho Regional. Este órgão, embora com funções meramente consultivas seria claramente positivo, pois permitia uma adequada representação de organizações profissionais, económicas, sociais e culturais.
O Partido Socialista e o Partido Social Democrata ganharam várias eleições, alternando-se no poder, com a promessa da Regionalização inscrita nos seus programas eleitorais, mas nada faziam de concreto sobre a mesma quando chegavam ao poder. O poder centralista e controleirista do Terreiro do Paço, mesmo no nosso regime democrático, não pondo em prática as Regiões Administrativas, tem sido um travão ao progresso e ao desenvolvimento do país. O PS e o PSD têm sido os grandes e os principais responsáveis pela não implementação da Regionalização, logo travaram e até agravaram o desenvolvimento regional e nacional.
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Continuando a saga, em 1993 o Deputado Mário Tomé, da União Democrática Popular (uma das forças políticas que constituem o Bloco de Esquerda), apresentou um Projecto – Lei de Regionalização no Parlamento, anunciando-o publicamente no Algarve e propondo para esta Região a imediata implementação de Região Administrativa Piloto, visto reunir todas as condições para esta experiência. Isto seria possível se os dois maiores partidos parlamentares estivessem de acordo em eliminar o artigo 255º da Constituição que estabelece o princípio da simultaneidade para a criação das Regiões Administrativas. Bastava vontade política mas não houve.
Em 1994 Cavaco Silva no seu projecto de revisão constitucional deixa cair o tema da Regionalização e perdeu as legislativas no ano seguinte. Em 1995 António Guterres ganhou as eleições legislativas e um dos pontos altos das suas promessas eleitorais foi mais uma vez o tema da Regionalização, afirmando que esta se concretizaria para todo o país até às eleições autárquicas de 1997. Bonitas palavras! Só que bonitas palavras leva-as o vento! O governo PS aceitou a proposta do PSD, agora na oposição, de referendar a Regionalização. Se não fosse aceite a chantagem de Marcelo Rebelo de Sousa não haveria acordo para o processo de revisão constitucional, uma revisão que tanto Guterres como Marcelo almejavam ufanamente, a favor da Europa neo-liberal de Maastricht e contra os direitos dos trabalhadores. A Regionalização levara mais uma punhalada mortal, servindo como moeda de troca para mais uma nova revisão à direita da Constituição. Mais uma vez o bloco central funcionou às “mil maravilhas” e os resultados não se fariam esperar.
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Em Março de 1997, no 9º Congresso do Algarve realizado em Vilamoura, apresentei uma comunicação sobre a Regionalização com o título “Alerta! A Regionalização está em Perigo!”, perante os últimos factos referidos e não me equivoquei, pelo menos para os tempos mais próximos e já passaram 10 anos! Em 1998 teve lugar o Referendo e sabemos o que aconteceu.
Nessa comunicação afirmei que a realização de um Referendo “pode ser mortal para a Regionalização (e para a criação da Região Administrativa do Algarve)”. Referi ainda que, o seu carácter vinculativo dependia da participação de pelo menos 50% dos eleitores e destes a maioria teria de pronunciar-se pelo Sim, mas que na altura da votação “aumentará a tendência para a abstenção e para dizer não ao Referendo”, devido a uma maior contestação dos trabalhadores e do povo às políticas anti-populares do governo Guterres, e ao facto do próprio PS se encontrar dividido no que concerne à Regionalização, caso de vozes contrárias de personalidades de vulto, como Mário Soares e Almeida Santos e até oriundos de outras áreas, como o caso do escritor José Saramago.
Infelizmente, os meus receios confirmaram-se. Votaram cerca de 30% dos eleitores e destes a maioria pronunciou-se pelo Não. As responsabilidades por este rotundo fracasso só podem ser assacadas ao PS e ao PSD. Foram muito céleres em referendar matérias consignadas na Constituição da República, no entanto fogem como “o diabo da cruz” de referendar matérias tão cruciais como o Tratado Constitucional da Europa e que prometeram aos cidadãos de Portugal! Mais uma vez não cumprem o que prometeram e a responsabilidade maior agora vai para Sócrates, pois é o 1º Ministro deste país.


3. A Grande Área Metropolitana do Algarve

Com Durão Barroso tivemos a Reforma Relvas em 2003, consubstanciada na criação das Grandes Áreas Metropolitanas. Pretextando uma descentralização política e administrativa do território, esta reforma tem funcionado como um travão à implementação da verdadeira e efectiva Regionalização. Esta só se efectivará, de facto, quando forem criadas as Regiões Administrativas, através do voto universal, secreto e directo dos cidadãos.
De acordo com a lei, a Grande Área Metropolitana do Algarve (GAMAL), tal como as outras GAM, foi constituída, sem prejuízo das atribuições transferidas pela administração central e pelos municípios, com o objectivo da prossecução de determinados fins públicos, nomeadamente na articulação dos investimentos municipais de interesse supramunicipal; na coordenação de actuação entre os municípios e os serviços da administração central, em determinadas áreas como saneamento básico e abastecimento público, educação, saúde, ambiente e conservação da natureza, acessibilidades e transportes, protecção civil, equipamentos colectivos, apoios ao turismo, cultura, juventude, desporto e actividades de lazer; planeamento e gestão estratégica, económica e social; gestão territorial na área dos municípios integrantes da GAMAL.
Apesar desta séria limitação – a não existência da Regionalização – a GAMAL apenas tem funcionado, na prática e muito aquém do que seria de esperar, em torno de um dos seus órgãos – a Junta Metropolitana. A Assembleia Metropolitana, o órgão deliberativo por excelência, praticamente não tem funcionado, apenas se limitando à aprovação das opções do plano e orçamento, prestação de contas e pouco mais.
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A Assembleia Metropolitana, pela importância que lhe cabe, não obstante as suas limitações, devia assumir-se na Região como um órgão político dinamizador e interveniente, discutindo, tomando posição e deliberando atempadamente sobre os assuntos e matérias que dizem respeito à Região do Algarve, como por exemplo as verbas atribuídas no âmbito do PIDDAC, a implementação do PROTAL, o ordenamento do território e a gestão dos recursos hídricos, um Plano Energético Regional e de Transportes Sustentável, a defesa e preservação das áreas de paisagem protegida, as políticas de saúde e educação na Região, etc. Se assim sucedesse, quem sairia a ganhar seria o Algarve e as suas populações.
A principal responsabilidade por esta inoperância da Assembleia Metropolitana cabe ao Partido Socialista, pois, como se sabe, embora detendo a sua Presidência, não detém a maioria neste órgão, pelo que, tem procurado evitar tomadas de posição políticas que não estejam de acordo com as suas orientações, ou que sejam críticas e discordantes das políticas preconizadas pelo governo Sócrates, igualmente da responsabilidade do Partido Socialista. Talvez esta seja uma das principais razões que leva Sócrates a aniquilar de vez a GAMAL, (que nunca foi reconhecida juridicamente), reactivando a Associação de Municípios do Algarve, de duvidosa mais valia e eficácia.
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A bem da região algarvia e das suas populações e, enquanto não for implementada a Região Administrativa, deverá a Assembleia Metropolitana do Algarve assumir por inteiro as suas responsabilidades, exigindo as competências a que tem direito, tornando-se num órgão político mais participativo, catalizador, interveniente e dinamizador. Assim se construirá mais Cidadania e mais Democracia também no Algarve.


4. O Centralismo do Governo Sócrates

O actual Governo em vez de apostar numa descentralização progressiva do Estado, faz exactamente o contrário, procurando concentrar tudo no Terreiro do Paço. Por outro lado persiste numa política de esvaziamento e abandono do interior do país, encerrando serviços públicos essenciais como maternidades, centros de saúde, urgências nocturnas, escolas, linhas de caminhos-de-ferro, estações dos CTT, notários, tribunais, postos das forças de segurança, etc., surgindo às populações como uma desresponsabilização do Estado face às suas obrigações e funções sociais. Tudo isto em nome da redução da despesa orçamental. Só que o preço a pagar será demasiado elevado.
O Algarve não foge à regra. A par de diversos encerramentos, nos últimos dois anos passaram várias competências para Lisboa, como aliás, algumas personalidades públicas têm denunciado. Assim, o Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional passou a ser nomeado por Lisboa em vez de eleito na região; os parques e reservas naturais que antes possuíam directores técnicos no Algarve, agora tudo depende da capital; a circunscrição das florestas do Algarve foi extinta; a Direcção de Estradas de Faro e o INATEL passaram a ser dirigidos a partir de Beja; o Instituto portuário autónomo que existia no Algarve passou a depender de Lisboa; a delegação do património arquitectónico que existia na região foi extinta; já não existe no Algarve a unidade que geria os fundos para o desenvolvimento rural, tudo passando para Lisboa.
Ao contrário do que se assiste por toda a Europa, Portugal vai em contra-corrente, agravando-se as assimetrias locais e regionais. O Algarve está a ser duramente atingido pelas medidas centralizadoras do Governo Sócrates que não olha a meios para alcançar os fins. Como pode este Governo afirmar que pretende a descentralização do Estado e a regionalização administrativa quando está a enveredar por uma centralização a todo o vapor? Trata-se de hipocrisia e demagogia barata!


5. Algarve – Graves Distorções, Caos Urbanístico e Delapidação Pública

A Regionalização não é certamente a varinha mágica que resolve todos os problemas, no entanto permite uma maior democracia e participação dos cidadãos, aproxima estes mais do poder para a resolução das suas necessidades, permite combater com mais eficácia o clientelismo, as assimetrias e a corrupção. O poder de decisão aproxima-se mais das populações locais, facilitando assim a sua participação e controlo por meio da eleição dos órgãos regionais, ao invés do que actualmente sucede com os organismos governamentais – CCDR, Governo Civil, Delegações Regionais, etc. –, nomeados e totalmente dependentes de Lisboa, o que provoca graves prejuízos ao desenvolvimento regional, como o Algarve.
Por outro lado, de modo algum os poderes e competências dos municípios saem afectados com a implementação das Regiões Administrativas, pois a Constituição da República no seu artigo 257º impede que isso aconteça, conferindo a estas “a direcção de serviços públicos e tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios no respeito da autonomia destes e sem limitação dos respectivos poderes”. Regionalizar conduz também à partilha do poder, o que não agrada nada aos centralista e a quem detém o poder central, pois ficam mais vulneráveis às críticas e à erosão governativa. Um controlo mais apertado do poder serve melhor os desígnios e as intenções dos centralistas.
A não implementação da Região Administrativa do Algarve (e de outras Regiões no país), tem conduzido a graves distorções económicas, sociais, ambientais e culturais. Um desenvolvimento regional que devia ter sido mais harmonioso e equilibrado em todas as suas vertentes, ao longo das últimas décadas, não teve lugar, antes agravou-se. O modelo de desenvolvimento que tem imperado no Algarve e que teima em prosseguir tem sido errado. Tem faltado um Plano de Desenvolvimento Regional do Algarve emanado de uma Assembleia Regional.
Temos o PROTAL, o Plano Regional de Turismo do Algarve e outros planos, mas a solução de fundo continua a não ser resolvida e com tendência a agravar-se de forma galopante. O modelo de desenvolvimento económico em que o turismo se tornou o pólo determinante e exclusivo da economia algarvia, conduziu a grandes fragilidades a nível da coesão interna, da grande dependência em relação a agentes e centros de decisão externos e da forte sazonalidade que tem caracterizado a sua base económica, como há alguns anos atrás reconheceu o próprio PRTA.
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Não foi só o facto da actividade turística se ter imposto à custa da extinção e quase eliminação de sectores económicos tradicionais, como as conservas, as pescas e a agricultura, e ser uma indústria predominantemente sazonal, o que provoca grandes índices de precariedade, salários baixos e desemprego nas famílias algarvias. É que a forma e o modo como o turismo se impôs na região – especulação desenfreada, proliferação caótica e construção de torres de cimento armado e novas frentes urbanas, atentados flagrantes e destruição do meio e qualidade ambientais, delapidação do bem público em prol dos interesses privados, o aumento da concentração da população numa estreita faixa do litoral enquanto o interior algarvio se desertifica – torna o modelo de desenvolvimento, que alguns teimam em prosseguir, insustentável.
O modelo de desenvolvimento existente, em vez de promover a coesão regional e a solidariedade, acentuou os desequilíbrios e as assimetrias na distribuição das actividades sócio-económicas, no investimento público e na distribuição da população – Lagos, Portimão, Lagoa, Albufeira, Loulé e Faro com 30% do território do Algarve, concentram 60% da população, 75% do emprego nas empresas e 90% das dormidas na hotelaria.
No conjunto dos 6 Concelhos menos desenvolvidos da região algarvia – Aljezur, Vila do Bispo, Monchique, Alcoutim, Castro Marim e S. Brás de Alportel – concentravam-se 9,5% dos habitantes em 2002, quando em 1991 o valor situava-se nos 10,8%. Já nos 6 Concelhos do litoral centro – Lagos, Portimão, Lagoa, Loulé, Albufeira e Faro – atingiram 61% da população em 2002, quando em 1991 tinham 57,4%. A mesma tendência pode ser observada nas actividades empresariais: no ano de 1996 apenas se encontravam registadas nos 6 Concelhos do interior apenas 8,6% das empresas da região, baixando para 7,7% em 2004; nos 6 Concelhos do litoral centro estavam inscritas 62,6% das empresas em 1997, subindo para 65% em 2004. No que se refere à oferta turística as disparidades são ainda maiores: nos 6 Concelhos do interior, com 39% do território, a oferta não chegou aos 2%, ultrapassando no entanto os 85% nos 6 Concelhos do litoral, levando a uma sobre-ocupação dos 32% do seu território. Todas estas situações se devem ter agravado até aos dias de hoje.
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Estes são apenas alguns exemplos, não obstante vigorar no Algarve um Plano Regional de Ordenamento do Território. Pergunta-se: caso já há muito o Algarve tivesse uma Região Administrativa, teriam ocorrido estes erros e distorções? Estou em crer que, a haver, seriam de muito menor dimensão e gravidade.


6. A Força Predatória dos PIN

Temos um novo Plano de Ordenamento do Território para o Algarve (PROTAL) publicado no passado dia 3 de Agosto, curiosamente mais de dois meses depois de ter sido aprovado em Conselho de Ministros, o que não deixa de ser estranho. Uns dias antes da sua aprovação José Sócrates e alguns dos seus Ministros deslocaram-se ao Algarve onde fizeram a apresentação pública de alguns projectos polémicos para a Região, os Projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN), que podem assumir a forma de resorts de luxo, hotéis de cinco e seis estrelas, campos de golfe, marinas, Núcleos de Desenvolvimento Turístico.
O novo PROTAL reconhece alguns pontos fracos de que sofre a região algarvia, como a intensa urbanização e construção no litoral, a fragmentação da rede ecológica regional, as dinâmicas insuficientes das zonas do interior e aponta algumas medidas de índole restritiva, como impedir a edificação dispersa em zonas inundáveis ou sensíveis, ou proibir as construções nas faixas de risco e nas zonas terrestres de protecção no litoral. Todavia, parece que nada detém os PIN (cerca de 30 projectos), nem mesmo o PROTAL.
Embevecido pelos milhões fáceis o Governo Sócrates vai aprovar muito rapidamente 50 mil novas camas para o Algarve à margem do PROTAL (cerca de 10 PIN já aprovados), o que significa a perpetuação do regabofe das últimas décadas. Tem sido este regabofe que permitiu que o Algarve tenha hoje mais de meio milhão de licenças de construção emitidas e várias centenas de milhar ainda para construir. Por este caminho nada escapará aos interesses vorazes e predatórios das imobiliárias, nem mesmo as áreas protegidas, integradas na REN, RAN, Rede Natura ou qualquer outra classificação – é o caso da Ria Formosa, Ria de Alvor, Costa Vicentina, Baixo Guadiana, algumas das áreas preservadas da costa sul da região, como a Praia Grande, em Armação de Pêra, ou da Meia Praia, em Lagos, ou certas zonas do interior como o Sítio Classificado da Fonte da Benémola, em Loulé.
Os últimos acontecimentos verificados na Quinta da Rocha, situada na Ria de Alvor, com a aprovação de uma piscicultura e a destruição e espécies e habitats prioritários, protegidos por directivas comunitárias, não augura nada de bom, caso não haja vigilância e pressão da sociedade civil e de outros intervenientes. Não há direito que apenas alguns, privados, destruam ou usufruam daquilo que é público, que é de todos.
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Voltando ainda aos PIN, os 8 já aprovados até este Verão que passou localizam-se quase todos no litoral, zonas que deverão ser protegidas mas que o actual Governo até incentiva, permitindo a betonização intensiva do que resta. Os Planos Directores Municipais são suspensos e os hotéis de luxo, que darão lugar a casas para segundas habitações, vão surgindo como cogumelos nas falésias, em zonas protegidas de floresta e nas áreas ecológicas e agrícolas onde é interdito construir. Depois vem o Ministro da Economia dizer que “todos estes projectos respeitam os melhores critérios, não só de ordenamento de território, como também a qualidade ambiental”. Não passa de “letra de música”.
Ainda muito recentemente, Jean-Claude Baumgarten, presidente executivo do Conselho Mundial de Viagens e Turismo e que passou por Lisboa, aconselhou os portugueses a não construírem de mais e a aprender com os erros dos outros, nomeadamente com o que se passa em Espanha. Mas por cá o Governo é autista e está a comportar-se como o “porteiro” dos grandes negócios. O Ministro Manuel Pinho já traçou a meta para o Algarve até 2010 – o dobro de marinas e de hotéis de cinco estrelas (21 hotéis) e a oferta de 78 campos de golfe (34 em exploração, 5 em construção, 39 novas intenções), o que será um absurdo e um desastre para a região. O que não admira, quando o Ministro profere afirmações absurdas, de que o golfe “está para o Algarve como a neve para a Suiça”. Trata-se da catástrofe anunciada.
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O pretexto final para a construção dos PIN é que estes irão criar algumas centenas de postos de trabalho. Talvez assim seja, em particular destinados a mão-de-obra imigrante, ainda mais barata, vai aumentar a precariedade e contribuir para o alargamento das desigualdades e das assimetrias a nível regional. Esta política de turismo de luxo irá escancarar a região aos interesses dos grandes grupos económicos do turismo que, além de promoverem o maná das mais valias urbanísticas, irão degradar e delapidar o que resta do meio ambiente. Depois aí estão as alterações climáticas em toda a sua dimensão nua e crua – a subida do nível das águas do mar, o avanço da desertificação, o aumento das temperaturas, a escassez de água potável.


7. Em Frente com a Regionalização – Mais Acção e Menos Retórica!

Só a Regionalização poderá impedir ou, pelo menos limitar, o desastre anunciado para o Algarve. Além de permitir uma maior participação da cidadania e uma maior e melhor dinamização da economia regional, a Regionalização contribui para um desenvolvimento mais sustentável do Algarve (e do país), combatendo as assimetrias sociais, económicas, culturais e ambientais.
A Regionalização já existe em praticamente todos os países da Europa, e é reconhecida pela União Europeia como um pilar fundamental da construção da Paz e da Prosperidade Europeia. O processo de criação das Regiões Administrativas afirma-se como uma inevitabilidade histórica e o país só fica a perder se o continuar a adiar. Em todos os países que optaram por esta forma de organização do Estado não se verificam quaisquer movimentos no sentido da centralização, sinal de que os benefícios estão a ser evidentes para as economias e os cidadãos desses países.
José Sócrates não quer avançar com o processo de Regionalização nesta legislatura, só o admitindo para a próxima, entre 2009-2013, o que, a par de muitas outras, representa mais uma teimosia da sua parte, com consequências nefastas para o país. Até o Presidente do Comité das Regiões da União Europeia, Michel Delebarre, que no passado mês de Setembro participou em Vilamoura na 102ª reunião extraordinária da Mesa do Comité das Regiões, afirmou que em Portugal se chegou ao fim do tempo dos debates e que o processo da regionalização é inevitável e incontornável.
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Parece que hoje é mais ou menos consensual na sociedade portuguesa que a divisão administrativa que mais se adequa à Regionalização são os limites das chamadas NUT II (Nomenclaturas de Unidades Territoriais) e que correspondem às áreas de influência das cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). O Algarve, devido às suas características, é a região que se encontra melhor preparada para avançar para uma Região Administrativa, pois encontra-se integrada no contexto das NUT II e mesmo das NUT III, como por exemplo a gestão conjunta dos sistemas multimunicipais de abastecimento e saneamento da Águas do Algarve.
O referendo sobre a Regionalização, previsto na Constituição deverá ser antecipado, ocorrendo antes das próximas legislativas de 2009. Que espera o actual Governo do Partido Socialista? Todos sabemos que o facto de não termos as Regiões Administrativas até hoje se deve aos dois maiores partidos do sistema – o PS e o PSD são os principais responsáveis. Basta de continuar a adiar por muito mais tempo a Regionalização.
Passou-se quase uma década desde o Referendo de 1998. No 8º Congresso do Algarve, no ano de 1995, frisei que a Regionalização era “um ‘parto’ complexo e continuamente adiado, mas inevitável”. De facto, não há mais tempo a perder e o movimento parece que se tornou imparável. Parece que agora todas as principais forças políticas do nosso leque partidário, exceptuando o CDS/PP, se perfilam oficialmente a favor da Regionalização, o que não quer dizer que esta já esteja ganha – o novo Referendo é para vencer! Os centralistas não irão abdicar facilmente dos seus poderes e a luta afigura-se árdua para sair ganhadora. Ao continuar a atrasar o processo da Regionalização, Portugal só se afastará ainda mais dos parâmetros de desenvolvimento da União Europeia, agravando as assimetrias e comprometendo ainda mais o futuro dos seus cidadãos.
Exige-se mais acção e menos retórica! O Algarve (e o país) não pode continuar a ser penalizado. Há que aprender e ter em conta a experiência de outros países e regiões da Europa. Por exemplo, a França teve um notório sucesso com o seu processo de regionalização administrativa e a Galiza e a Andaluzia reforçaram a coesão nacional e promoveram o seu desenvolvimento. A Regionalização permite combater as burocracias e fazer mais obras com menos dinheiro. Por outro lado, só a Regionalização poderá suprir de forma eficaz o vazio que existe entre o poder central e as autarquias locais para a gestão de projectos e outras actividades de índole supra-municipal.
Já chega de centralismo asfixiante. O Algarve não pode esperar mais. São de apoiar os movimentos criados, ou que se venham a criar, em defesa de um referendo sobre a Regionalização antes de 2009. O modelo para a implementação da Região Administrativa do Algarve (e das outras Regiões Administrativas) será o tema para uma outra comunicação e debate.
Muito obrigado pela vossa atenção.

Observação: Comunicação feita no 13º Congresso do Algarve no Centro Cultural de Lagos, no dia 15 de Novembro de 2007.













Dirigente do Bloco de Esquerda e membro da Assembleia Metropolitana do Algarve (AMAL).