A invenção dos «bairros problemáticos»
por Sylvie Tissot
A degradação do quotidiano dos «subúrbios» suscita todo o tipo de iniciativas de «terreno» e de discursos políticos. Mas a realidade dos factos mascara uma outra: a das palavras através das quais ela é designada, e que estão longe de ser neutras. A retórica dos «bairros problemáticos», dominante há vinte anos, tem uma história, a de uma visão do mundo em que se apagam as relações de dominação e a questão social, em benefício de uma ideologia da «proximidade» conservadora da ordem estabelecida.
«Subúrbios-gueto», «bairros problemáticos» ou outras «zonas de exclusão» têm sido, nas últimas duas décadas, objecto de reportagens com um forte pendor dramático, quando não sensacionalista(1). Mas será essa a única questão que nos deve interpelar ou inquietar? A verdade é que estas categorias territoriais, que emergiram em França nos anos 1985-1995, não são um mero «reflexo», mesmo se deformado, da realidade social; estamos para lá do simples exagero ou mistificação. O que está em jogo é também, e sobretudo, uma nova maneira de olhar para a pobreza urbana e pensar sobre ela, o que, paradoxalmente, ao insistir-se tanto na gravidade do «problema», tem por característica principal o facto de deixar na sombra a origem da dominação social, económica ou até racista.
Como é que chegámos aqui? Para o compreender, convém desviar o olhar – pelo menos por um momento – desses eternos objectos de investigação, os «bairros problemáticos» e os seus habitantes, para nos interessarmos pela forma como a «questão dos subúrbios» foi definida nos anos 1985-1995. Foi nessa época que uma nova política pública começou a ser aplicada em 500 bairros de habitação social. Esta focalização teve um efeito duplo. Os dispositivos da política dita local permitiram a renovação de muitos complexos urbanísticos, ao oferecer um acompanhamento directo por profissionais do desenvolvimento social. Ao mesmo tempo, os financiamentos suplementares obtidos e aplicados nunca tomaram a forma de uma redistribuição social e espacial das riquezas, susceptível de conter o aumento das desigualdades económicas. Apesar dos muitos apelos para a criação de «Planos Marshall das periferias», eles foram limitados. Por outro lado, eram infligidos rudes golpes às políticas de direito comum, em matéria de educação ou de saúde, nesses mesmos bairros populares.
Além disto, a focalização nos «bairros problemáticos» só se faz sobre alguns dos problemas. O diagnóstico no qual se apoia a política municipal não se limita ao que está construído; a reabilitação das zonas degradadas foi conduzida na base de uma nova palavra de ordem: a participação dos habitantes. Reuniões de concertação sobre a reabilitação das periferias, piqueniques colectivos e conselhos de bairro onde os moradores supostamente devem expressar as suas exigências, para que sejam levadas mais a sério, são promovidas por iniciativa dos actores locais. (...)
«Subúrbios-gueto», «bairros problemáticos» ou outras «zonas de exclusão» têm sido, nas últimas duas décadas, objecto de reportagens com um forte pendor dramático, quando não sensacionalista(1). Mas será essa a única questão que nos deve interpelar ou inquietar? A verdade é que estas categorias territoriais, que emergiram em França nos anos 1985-1995, não são um mero «reflexo», mesmo se deformado, da realidade social; estamos para lá do simples exagero ou mistificação. O que está em jogo é também, e sobretudo, uma nova maneira de olhar para a pobreza urbana e pensar sobre ela, o que, paradoxalmente, ao insistir-se tanto na gravidade do «problema», tem por característica principal o facto de deixar na sombra a origem da dominação social, económica ou até racista.
Como é que chegámos aqui? Para o compreender, convém desviar o olhar – pelo menos por um momento – desses eternos objectos de investigação, os «bairros problemáticos» e os seus habitantes, para nos interessarmos pela forma como a «questão dos subúrbios» foi definida nos anos 1985-1995. Foi nessa época que uma nova política pública começou a ser aplicada em 500 bairros de habitação social. Esta focalização teve um efeito duplo. Os dispositivos da política dita local permitiram a renovação de muitos complexos urbanísticos, ao oferecer um acompanhamento directo por profissionais do desenvolvimento social. Ao mesmo tempo, os financiamentos suplementares obtidos e aplicados nunca tomaram a forma de uma redistribuição social e espacial das riquezas, susceptível de conter o aumento das desigualdades económicas. Apesar dos muitos apelos para a criação de «Planos Marshall das periferias», eles foram limitados. Por outro lado, eram infligidos rudes golpes às políticas de direito comum, em matéria de educação ou de saúde, nesses mesmos bairros populares.
Além disto, a focalização nos «bairros problemáticos» só se faz sobre alguns dos problemas. O diagnóstico no qual se apoia a política municipal não se limita ao que está construído; a reabilitação das zonas degradadas foi conduzida na base de uma nova palavra de ordem: a participação dos habitantes. Reuniões de concertação sobre a reabilitação das periferias, piqueniques colectivos e conselhos de bairro onde os moradores supostamente devem expressar as suas exigências, para que sejam levadas mais a sério, são promovidas por iniciativa dos actores locais. (...)
Por SYLVIE TISSOT *
* Professora de ciências sociais na Universidade Marc Bloch de Estrasburgo, autora de L’État et les quartiers. Genèse d’une catégorie d’action publique, Seuil, Paris, 2007.
(Continue a ler este artigo na página 8 da edição de Outubro do Le Monde diplomatique - edição portuguesa.)
quarta-feira 10 de Outubro de 2007
quarta-feira 10 de Outubro de 2007
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